Tendo, certa vez, com um grande sábio, perguntei:
- mestre, qual o caminho da felicidade?
Com o olhar inclinadamente irônico, mas não menos suave, disse-me:
- O mesmo caminho que te trouxe até aqui!
Retruquei, dizendo:
- Mas não encontrei felicidade alguma no trajeto!
Agora com um sorriso largo, imutavelmente suave, discorreu:
- É curioso como muitos acham que a felicidade está sempre no presente,
no agora ou no futuro, no amanhã... É bem verdade que a felicidade
também está nestes espaços. Mas o problema da infelicidade humana se
chama: efemeridade e letargia!
Veja bem, nobre andarilho...
quando eu era criança, na minha cidadezinha costumava passar todos os
dias e, pontualmente, uma locomotiva. E era sempre uma festa! Crianças,
donzelas e velhos corriam para frente das suas casas e julgavam-se muito
felizes com a aparição da Maria Fumaça naquela humilde aldeia.
- E o senhor, não se animava para ver também?
- Eu? /risos/.... Eu era o primeiro a correr e a chamar por todo mundo,
e a pular feito balão, acenando com as mãos na tentativa de chamar a
atenção do maquinista.
Mas imediatamente após a locomotiva
desaparecer dos olhos dos meus conterrâneos, uma imensa tristeza e
melancolia aprisionava os mesmos. Todos, absolutamente todos, corriam
para as suas casas e lá ficavam por algumas horas.
Este mal
estar me intrigava, pois eu não bebia dessa nostalgia, tampouco fazia
sala para esta tristeza. Eu ficava ali parado no meio do terreiro e
fitava com a mesma euforia a fumaça que parecia formular desenhos no ar
só para mim. E quando a fumaça desaparecia completamente, eu fechava os
meus olhos e ainda conseguia ouvir o bailar do trem sobre o palco
infinito de ferro.
Quando cresci, cheguei à conclusão de que um
dos principais motivos que gerava a infelicidade aos queridos moradores
da minha antiga aldeia, era o culto exacerbado ao presente que sempre
foi e será efêmero. Em outras palavras, as pessoas não aprenderam a
cultuar as suas memórias, não conseguem dialogar com o passado. Nesta
"filosofia de araque", onde nos ensina que devemos olhar sempre para
frente, para o futuro - lugar do provável encontro com a felicidade -,
as pessoas vão automatizando os seus olhares para as suas raízes,
origens e, inevitavelmente, vão perdendo suas identidades, pois são
adestradas a sonharem sonhos coletivos e a acreditar que apenas no
amanhã encontrarão a real felicidade. Com isso, vão ficando cegas para a
beleza das pequenas coisas que passam despercebidas em seus caminhos.
O que sou hoje, eu devo ao meu passado. Ao passo que todas as
experiências boas e ruins moldaram o que me tornei. E creditar que a
plenitude da felicidade encontra-se somente no futuro, nada mais é que o
covarde medo de enfrentar as coisas mal resolvidas que deixamos lá no
passado. E é pura tolice achar que trancando estas mesmas coisas no
quarto escuro do passado e corrermos para o encontro de uma possível
felicidade no futuro, iremos conseguir. Pois quem gera o futuro de cada
ser humano é o seu passado.
Com isso, andarilho, não estou
dizendo que devemos ficar presos ao passado ou não desejarmos dias de
glórias no futuro. Só estou querendo dizer, que o futuro é filho do
presente e neto do passado. E se você não cultua a memória dos seus
antepassados (e nesta metáfora estou usando a figura do avô enquanto
passado), o neto (metáfora do futuro), certamente irá lhe cobrar com
juros o que você fez e/ou deixou de fazer com o seu avô (passado).
- Mestre, como pode este mero andarilho, desautomatizar o seu olhar e reencontrar o caminho da sua felicidade?
- Existe um mensageiro que é fiscal de todos os atos dos seres humanos
desde os tempos imemoriais. Ele é quem cobra e também quem notifica os
pagamentos e resoluções.
- Mestre e onde eu posso encontrar este mensageiro?
- Andarilho, andarilho /risos/... Não é você que o encontra; Ele que encontra você!
Ele não está apenas em algum lugar do lado de fora. Ele está em todos os lugares, inclusive dentro de você.
- De mim?
- Sim, Ele, o mensageiro, é do tamanho da consciência que você tem dEle.
Continue andando e refletindo sobre o que acabou de ouvir e lembre-se:
quando encontrar-se com Ele, humildemente, renda-lhe homenagens, abrigo,
comida e bebida. E quando Ele te perguntar o que você deseja, eis um
conselho:
Peça as bênçãos que Ele carrega em sua cabaça!
Na cabaça de Òdàrà contém tudo o que você precisa:
Passado - Presente - Futuro = Harmonia!
Verdade;
Humildade;
Sagacidade;
Bom humor;
Vitalidade;
E
Movimento!
Texto: Ifadeyin Fakolade - Barravento
Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
- Portfolio ROGER CIPÓ
- Página inicial
- Entrevista com Roger Cipó para o AFREAKA
- Ensaio: "Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada"
- Ensaio: "Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada II"
- Ensaio: Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada III
- As Faces e Vidas que me Olham - Retratos
- aFÉto - Uma série fotográfica sobre o Amor entre Orixás e Fiéis
- A Beleza dos Ritos - Uma Série sobre Saída de Yawo
- Oyá Muró - Princesa de Oyá
- Ensaio: Menino das Folhas
- Nega Duda na Paulista: A Rainha do Samba de Roda d...
- Série: Cotidiano de Axé - em Preto e Branco
24 de agosto de 2015
19 de agosto de 2015
Dia Internacional da Fotografia e Meu Encontro com o Axé
Hoje, 19/08, comemora-se o Dia Internacional da Fotografia.
Embora tenha tido bons professores, orientadores e inspiradores para a minha carreira profissional, sempre associo a minha atuação à gratidão eterna aos Orixá, pelos caminhos trilhados até aqui.
Há um ano, escrevi esse pensamento e compartilho novamente:
Minha chegada no Candomblé coincidiu com a descoberta particular pelo Mundo da Fotografia. Se o Amor pela Fotografia floresceu fácil, por outro lado, o Amor pelo Candomblé foi o que chamo de "pagar a língua".
Sim, fui do tipo que criticava, atravessa rua
pra não esbarrar com 'macumbeiro', e falava... falava muito, sem saber de nada.
Acontece que com o tempo e vivência, a religião dos Orixás se tornou prioridade apaixonante, um universo que me acolheu, despertou um Amor e Fé jamais sentidos. Um verdadeiro encontro ancestral que, dia após dia, me toma de Emoção e devoção por tudo que há de sagrado em minha história. Foi o candomblé que me ensinou sobre quem eu era de verdade. Candomblé se tornou meu Ponto de Paz, e eu já estava do outro lado do jogo. Do lado de cá, me perguntava os porquês de uma religiosidade tão linda e completa, ser brutalmente discriminada, apedrejada... E violentada, em todos os sentidos, por uma sociedade cruel e desinformada. Por que somos cruéis, ao ponto de "satanizar" Deuses, Reis, Rainhas, seres Divinos que, com seus encantos e magias, agraciam e protegem seus descendentes numa terra de tanto descaso? Por quê? Por que eu não acordei antes? E por que eu vestir os olhos do opressor por tanto tempo? Quando, na realidade, eu só estava oprimindo a força que vive em mim.
Foi ai que percebi que a arma estava em minhas mãos. E logo, fui pra Guerra! Juntei o Amor pela Religiosidade com a Paixão em mostrar os pontos de vistas a partir de imagens e passei a compartilhar com o mundo toda emoção e belezas que a presença de Orixá nos possibilita. E assim vou! Certo da opinião de que "Se todos vissem quão rico o candomblé é, a falta de respeito seria menor, a violência e preconceito, se tornariam respeito e submissão", sigo fazendo a minha parte. Com os pés no chão, olhos atentos para eternizar momentos, ou simplesmente me emocionar com a Beleza e Humildade que Orixá compartilha ao sair pra dançar ou acariciar um filho seu.
Peço ao meu Orixá que nunca me desampare nessa luta. Me dê condições e atenção para contar o que vejo e, quem sabe, inspirar que mais pessoas mudem de opinião e se permitam apaixonar pela religião mais linda que o mundo pode criar. A Oxalá, eu agradeço por me abrir os olhos a tempo.
Acontece que com o tempo e vivência, a religião dos Orixás se tornou prioridade apaixonante, um universo que me acolheu, despertou um Amor e Fé jamais sentidos. Um verdadeiro encontro ancestral que, dia após dia, me toma de Emoção e devoção por tudo que há de sagrado em minha história. Foi o candomblé que me ensinou sobre quem eu era de verdade. Candomblé se tornou meu Ponto de Paz, e eu já estava do outro lado do jogo. Do lado de cá, me perguntava os porquês de uma religiosidade tão linda e completa, ser brutalmente discriminada, apedrejada... E violentada, em todos os sentidos, por uma sociedade cruel e desinformada. Por que somos cruéis, ao ponto de "satanizar" Deuses, Reis, Rainhas, seres Divinos que, com seus encantos e magias, agraciam e protegem seus descendentes numa terra de tanto descaso? Por quê? Por que eu não acordei antes? E por que eu vestir os olhos do opressor por tanto tempo? Quando, na realidade, eu só estava oprimindo a força que vive em mim.
Foi ai que percebi que a arma estava em minhas mãos. E logo, fui pra Guerra! Juntei o Amor pela Religiosidade com a Paixão em mostrar os pontos de vistas a partir de imagens e passei a compartilhar com o mundo toda emoção e belezas que a presença de Orixá nos possibilita. E assim vou! Certo da opinião de que "Se todos vissem quão rico o candomblé é, a falta de respeito seria menor, a violência e preconceito, se tornariam respeito e submissão", sigo fazendo a minha parte. Com os pés no chão, olhos atentos para eternizar momentos, ou simplesmente me emocionar com a Beleza e Humildade que Orixá compartilha ao sair pra dançar ou acariciar um filho seu.
Peço ao meu Orixá que nunca me desampare nessa luta. Me dê condições e atenção para contar o que vejo e, quem sabe, inspirar que mais pessoas mudem de opinião e se permitam apaixonar pela religião mais linda que o mundo pode criar. A Oxalá, eu agradeço por me abrir os olhos a tempo.
18 de agosto de 2015
Maria - A Empregada que no Terreiro é Rainha
As divindades africanas foram generosas na concepção da
religiosidade negra que, por mais complexa que seja, assegurou o espaço da
reencontro ancestral de seus filhos com a realeza preservada no DNA, que fora
sucumbida pela opressão social e os vestígio, sempre tão presentes, da
escravidão.
Certa vez, conheci
Maria e nunca mais a esqueci.
Mulher de posição
firme como sua pele negra brilhante que não envelhecera com o tempo. Dona de um sorriso lindo em diamante que facilmente brotava no rosto de fortes
expressões, combinado a um olhar que tudo via, e via adianta do nosso tempo.
Maria, Vó e Mãe que sozinha, deu conta de criar @s filh@s, “tudo homem feito e mulher véia já” – como dizia e lembrava como os meninos aprenderam a se virar cedo porque ela, dona de uma força que só ela conhecia, trabalhava fora o dia inteiro, pegava três conduções e quando chegava em casa, as crianças já estavam dormindo.
Ela era como uma
heroína
Passava grande parte do tempo no seu uniforme de doméstica,
cozinhando, limpando, encerando, lavando e cuidando dos filhos dos bacanas,
enquanto suas crianças cresciam á boa sorte, guardados somente na fé que a Mãe
tinha nos Deuses Africanos.
Mas o mundo inteiro mudava quando Maria se preparava para pisar o solo de seus Orixás.
Mas o mundo inteiro mudava quando Maria se preparava para pisar o solo de seus Orixás.
Por mais bem passado e limpo que era seu avental branco, não
chegava "aos pés" da goma de sua saia, alva como as contas leitosas
do brajá de Oxalá que ostentava no pescoço. Na cabeça, o simples torço
costurado a mão, no pano mais barato da 25 de março, lhe permitia a realeza que
a touquinha das casas de patroas escondia.
Quando Maria descia a rua e era saudada por todos aqueles que de
branco passavam.
Quem via de longe, nada entendia.
Quem via de longe, nada entendia.
"Oxe... Olha lá... Dona Maria parece o Papa. O povo
todo para pra beijar sua mão."
Resmungava indignado o dono do bar, que mal sabia que por suas vistas passarva uma autoridade maior que o soberano do Vaticano.
Resmungava indignado o dono do bar, que mal sabia que por suas vistas passarva uma autoridade maior que o soberano do Vaticano.
Desfilava a Rainha do Terreiro, Mãe Maria, que já na descida,
juntava sua comitiva de filhos, netos e bisnetos de santo.
Eles vinham orgulhosos como seguranças da majestade que seguia
para o barracão.
A Rainha ia andando porque nunca dependeu de carona nenhuma, e gostava de andar pelas
ruas do bairro que ela mesmo lutou para ser asfaltado e ter água encanada.
"Mas eu fui lá e briguei com aqueles homens tudo porque falaram que o caminhão do lixo não conseguia passar na rua. Como não? Tem que passa sim!" contava, e acrescentava orgulhosa: - "Nem bagunça tem mais por aqui. Os meninos do movimento agora vão para o Terreiro, e mudaram muito, viu... Se engana que pensa que é só o povo da igreja que salva. Quem salva do mundo é Orixá!"
"Mas eu fui lá e briguei com aqueles homens tudo porque falaram que o caminhão do lixo não conseguia passar na rua. Como não? Tem que passa sim!" contava, e acrescentava orgulhosa: - "Nem bagunça tem mais por aqui. Os meninos do movimento agora vão para o Terreiro, e mudaram muito, viu... Se engana que pensa que é só o povo da igreja que salva. Quem salva do mundo é Orixá!"
Ela, mesmo que Rainha, sempre soube do seu lugar perante os Orixás.
Obediente, parava sempre na última encruza antes do terreiro,
tirava as sandálias de salto baixinho, dobrava-se calada em paó, tomava benção
de Exú e só seguia depois de sentir o vento em seu rosto.
"Se Exu não deixar eu entrar, não entro. Se ele barra santo
na porta de Oxalá, pode me barrar quando quiser!"
Respeitosa como ninguém, pedia agô no portão, esticava o braço e
com cuidado punhava a quartinha para despachar a rua.
Rainha Mãe, não se importava em rodar a aquela velha quartinha de
barro na cabeça de cada filho que a acompanhava no cortejo real.
E era a partir daquele portão que a magia acontecia.
Naquele lugar não
tinha patroa, nem filho bocudo de patrão folgado.
Não mais empregada. No mundo dos Deuses Africanos, Maria servia com muito Amor seus Orixás, cuidava do mais novo ao mais velho, com o mesmo zelo.
Abraçava e amava todos filhos e todas as filhas santo com a mesma porção de
afeto. E muito afeto.
Naquele lugar, a
opressão não tinha espaço.
Naquele lugar, a
força de Maria não se restringia em copa de granito importado e não era
invisível como na casa dos bacanas que a tinha como "quase da
família".
Ali, naquele
barraco de telha cinza e paredes caiadas com frequência e zêlo, Mãe Maria podia
ser quem ela era e não silenciada como no edifício nobre da Vila Mariana, onde,
todas as manhãs, entrava e saia calada pelas portas de serviços.
Era assim, naquele
punhado de Terra, ocupado há décadas, que Maria viveu a dignidade de ser
respeitada, amada e olhada em sua essência.
Porque era só ali, no chão desnivelado que a autoridade era reconhecida pela grandeza que só podia ver, quem a via com o coração - coisa difícil para os patrões das casas grandes que até hoje se perpetuam, e com míseros salários, insistem numa escravidão social que vitimiza nossos reinados de resistência.
Era naquele cantinho de terra, onde se respirava a ancestralidade africana que a felicidade de Mãe Maria se completava, pois à luz dos Orixás, sua estrela se mantinha iluminada.
Porque era só ali, no chão desnivelado que a autoridade era reconhecida pela grandeza que só podia ver, quem a via com o coração - coisa difícil para os patrões das casas grandes que até hoje se perpetuam, e com míseros salários, insistem numa escravidão social que vitimiza nossos reinados de resistência.
Era naquele cantinho de terra, onde se respirava a ancestralidade africana que a felicidade de Mãe Maria se completava, pois à luz dos Orixás, sua estrela se mantinha iluminada.
Texto e Imagens: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos
Reservados / All Copyrights Reserved
[Esse texto é uma
homenagem às tantas Marias que conheci nesse pouco e importante tempo de vida
religiosa. Muitas são as Senhoras Mães Guerreiras que vivem mundos diferentes
para uma vida melhor, sempre com Orixá no Coração. Sem nenhuma relação direta (que eu saiba rsrs) com o texto, as fotos são para ilustrar a história e inspirar nossas vidas em
imagens.]
17 de agosto de 2015
Exú e a Cidade que não é do Homem
Coitado é aquele que pensa que faz o que quer e quando quer
Esú é quem manda na cidade.
É quem toma a sua Boca e faz você dizer o que ele quer.
Também te faz pensar o que não pensa,
Te leva para onde você não vai
E só dar aquilo que você merece,
Quando ele acha que deve.
Ahh, coitados aqueles que acham que mandam na cidade.
É Esú quem manda nas vontades do Mundo.
[As Águas de São Paulo 2014 - Foto e Texto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]
15 de agosto de 2015
"Cê é da Macumba? Eu sou do Babado" Sobre Desconstruir a Fala Preconceituosa
Quem nunca ouviu (por brincadeira), alguém de axé dizer que
"é do babado"?
Quem nunca foi questionado se faz, ou não, macumba?
Tudo bem se você, já nas primeiras linhas, pensar "Ahhh... Lá vem o Cipó causando", ou até dizer "nada a ver isso", mas tudo bem. O objetivo não é convencer sobre minhas convicções, mas convido a refletirmos sobre a importância de desconstruir algumas de nossas falas preconceituosas.
"Mas Cipó, eu também sou da Macumba... Eu também sou do
Babado." Esse tipo de fala, me lembra o: "Eu não sou racista, até
tenho amigos negros." Mas vamos adiante...
Uma vez, disse que a luta contra intolerância religiosa deve
ser estrategicamente construída, dia após dia. E para construir, é preciso sim
desconstruir algumas de nossas ideias que alimentam a ignorância sobre nossas
questões.
Candomblé é o nome da Religião. Umbanda é o nome da
religião. Eu tentei pesquisar, e o pouco que encontrei sobre a palavra macumba,
é o que nós já sabemos: de origem no quimbundo, "macumba" é um antigo
instrumento de percussão, espécie de reco-reco de origem africana. Isso,
macumba é o Instrumento.
Não teria problema nenhuma se esse batismo fosse algo que
respeitasse as tradições e costumes negros, até porque ninguém se importa com
apelido carinho, né?
Tornou-se problema
porque a palavra Macumba chegou em nossas vidas como o terror em forma de
atabaques, corpos de danças alucinantes, rituais macabros, maldades e tudo que
há de ruim no mundo. Quem construiu essa visão? A Hipocrisia de nossa sociedade
escravocrata que só se esforça para manter as comunidades negras na invisibilidade,
inferioridade e subalternidade.
Parece inofensivo
dizer que "meu amigo também é a macumba" "eu sou do babado"
"vou fazer uma macumbinha para te ajudar", entre outras expressões
similares. Ao contrário do que parece, essas expressões não ajudam a
desconstruir as falsas ideias sobre a nossa religiosidade e cultura negra. Não
nos colocam em lugares de respeito. Mantém-nos no campo de engraçados, porque
rapidamente alguém ao ouvir isso, vai soltar uma piadinha, tipo: "Chuta
que é Macumba", "Não encosta que é encosto", e todas as outras
banalidades de estereótipos que maldosamente nos são empregados, desde sempre.
Nosso papel em tudo isso, é afirmar quem somos. Mas cabe a
nós a consciência de construir uma visão mais respeitosa da sociedade para com
as religiões de matriz africana. Não
existe babado nenhum! Não existe essa "macumbaria" toda que nos
associam às coisas mais cruéis e/ou bizarras que acontecem no dia-a-dia.
Quando
a TV anuncia um crime ligado a bruxaria e (conscientemente) nos associa à tais práticas, precisamos mesmo dizer que nosso mundo não é esse. Nada dessas
maldades tem a ver com candomblé.
Existe sim uma religião complexa, pautada no saber ancestral
africanos e nas relações humanas com a natureza e energias que se movimentam ao
nosso redor. Uma religião que para conhecer é preciso abrir o coração e se
desprender de todos os preconceitos que nos foram ensinados nas escolas, nas
ruas, nos programas de humor - que de humor não tem nada, e até em nossas
casas.
Ser do Candomblé nos dá a responsabilidade de atentarmos
sempre às nossas posturas e palavras para não colaborarmos (mesmo que por "inocência")
com a perpetuação das falas preconceituosas que só agridem a nós mesmo.
Não somos da Macumba!
Mesmo que você seja do candomblé e queira usar a palavra para "facilitar" o entendimento de
seu círculo social. Troque sempre a macumba pelo nome real e assim, a gente ajuda e desprender todas as maldades a nós atribuídas.
Grite mesmo ser do Candomblé, e se alguém não entender o que
é, abra-se para explicar - porque ninguém tem culpa de ser desinformado. Pois se
nós sabemos as verdades, que possamos compartilhá-las de formas conscientes.
No mais, eu preciso dizer que existe um Babado, sim. Mas o único babado que conhecemos, é o das Lindas
Saias Rodadas de Nossas Grandes Mães.
11 de agosto de 2015
Ser Militante para...
Ser militante para:
- ver mulher preta rachando mulher preta;
- ver mulher preta rachando homem preto;
- ver homem preto rachando mulher preta;
- ver o empoderamento a partir da estética se transformar numa ferramenta agressiva que dita qual cabelo é mais de preto, qual pele é mais de preto, qual turbante é mais de preto, qual vestido de estampa africana é mais de preto;
- ver que o fomento ao afroempreendedorismo se transformou numa arena de pessoas sem ética, de plágios descarados, de competição desleal e da mais completa falta de senso comunitário;
- ver que a busca por autoconhecimento se transformou num instrumento de silenciamento do outro, onde quem está equipado dos saberes acadêmicos desqualifica os que não sabem, promovendo uma Rinha de Sabichões;
- ver que nossos corpos são regulados - nossa magreza, nossa obesidade, a sexualidade ainda é julgada;
- ver a cultura do Recalque sendo alimentada pelas indiretas violentas, pelas perseguições na internet e pela ilusão vaidosa e narcisista de que a Fama Facebookeana torna alguém mais especial;
- ver que lutamos contra o racismo, mas criamos uma geração que não permite o outro ser o que se deseja ser, ter o que se deseja ter, comer o que se deseja comer, confessar o credo que se deseja confessar, julgando as escolhas e inferiorizando quem não segue a cartilha dos Pretos Perfeitos.
Prefiro ser apenas uma mulher preta comum.
Sem muitas aspirações políticas, amiga de pessoas comuns, que fazem o que acham que deve ser feito.
Pessoas comuns, e não produtores de Verdades.
Pessoas comuns que insistem em errar, e acertar, e errar de novo, e APRENDER, e com sorte ensinar alguma coisa a outro alguém comum.
Pessoas que sangram, que se confundem, que mudam de rota, que pedem pra sair e choram se estiver doendo muito.
Pessoas fracas, doentes, perdidas que, como eu, são comuns, e não têm resposta pra tudo.
Pessoas comuns que precisam de outras pessoas comuns para serem felizes. E que se alegram profundamente quando arrancam de pessoas sorrisos e não aplausos.
- ver mulher preta rachando mulher preta;
- ver mulher preta rachando homem preto;
- ver homem preto rachando mulher preta;
- ver o empoderamento a partir da estética se transformar numa ferramenta agressiva que dita qual cabelo é mais de preto, qual pele é mais de preto, qual turbante é mais de preto, qual vestido de estampa africana é mais de preto;
- ver que o fomento ao afroempreendedorismo se transformou numa arena de pessoas sem ética, de plágios descarados, de competição desleal e da mais completa falta de senso comunitário;
- ver que a busca por autoconhecimento se transformou num instrumento de silenciamento do outro, onde quem está equipado dos saberes acadêmicos desqualifica os que não sabem, promovendo uma Rinha de Sabichões;
- ver que nossos corpos são regulados - nossa magreza, nossa obesidade, a sexualidade ainda é julgada;
- ver a cultura do Recalque sendo alimentada pelas indiretas violentas, pelas perseguições na internet e pela ilusão vaidosa e narcisista de que a Fama Facebookeana torna alguém mais especial;
- ver que lutamos contra o racismo, mas criamos uma geração que não permite o outro ser o que se deseja ser, ter o que se deseja ter, comer o que se deseja comer, confessar o credo que se deseja confessar, julgando as escolhas e inferiorizando quem não segue a cartilha dos Pretos Perfeitos.
Prefiro ser apenas uma mulher preta comum.
Sem muitas aspirações políticas, amiga de pessoas comuns, que fazem o que acham que deve ser feito.
Pessoas comuns, e não produtores de Verdades.
Pessoas comuns que insistem em errar, e acertar, e errar de novo, e APRENDER, e com sorte ensinar alguma coisa a outro alguém comum.
Pessoas que sangram, que se confundem, que mudam de rota, que pedem pra sair e choram se estiver doendo muito.
Pessoas fracas, doentes, perdidas que, como eu, são comuns, e não têm resposta pra tudo.
Pessoas comuns que precisam de outras pessoas comuns para serem felizes. E que se alegram profundamente quando arrancam de pessoas sorrisos e não aplausos.
Texto Compartilhado do perfil de Fabíola
Foto: Denize Galiao
7 de agosto de 2015
Da Solidão de Quem Tenta Acertar
É dolorosa a peregrinação de quem entende que a vida é feita de oportunidades e tenta acertar.
Fico imaginando o quão perfeita é a pessoa que condena os erros do outro. Sente-se tão grandioso em poder apontar o dedo em direção ao rosto de alguém, que torna-se cega e esquece os três dedos que ficam em sua direção, quando assim faz.
Quisera eu poder afirmar que nunca erraríamos. Quisera eu poder dizer que o mundo é tão perfeito quanto aquele que diz não cometer erros. Mas a vida não é uma ciência exata, e por isso não insiste que todo ser humano viva da mesma forma que seu semelhante.
Sim, eu sei que não se deve errar. Eu sei. Mas quando se erra o que a gente faz? Estampa no rosto um adesivo de "errado" e assume a carapuça de ser errante pra sempre? Ou se obriga a calar diante de qualquer situação, já que gente errada não tem vez?
Não sei. Eu sempre optei por assumir erros, melhorar condutas e tentar acertar. Tenho como premissa que vida é movimento constante, dias e dias para resignar, re-significar e recuperar os acertos. Sei que tudo isso é possível e que seria mais fácil se não fôssemos forçados a acertar a todo instante. Como se as pessoas que nos obrigam a andar na linha acertassem em todos os momentos de suas vidas. Uma contradição que, por diversas vezes, insiste em apontar, cada vez mais, ferozmente o dedo indicador à face daquele que, pelo simples fato de viver, errou.
Essa reflexão não tem haver com coitadismo e nem tende a justificar desacertos. Fala sobre a solidão de quem tenta acertar, em um mundo que não se permite errar. Os pseudo-perdões servem até quando quem erra concorda com o outro, fora isso, são voltam a serem usados para acusar e inferiorizar o caminho de quem tenta acertar. - Sobre isso, um conselho que me arrisco a dar, é: "Se não consegue limpar o coração para aceitar, não perdoe." Pois uma vez que se professa a palavra perdão, não se deve mais ressuscitar a palavra "erro". Tudo isso, cria um mundo de "gato escaldado" que não dá espaço digno para que se estabeleça um espaço de florescer acertos contínuos e ficar à espreita do próximo erro para gritar "eu avisei" é quase que passar os dias condenando e condicionando à uma vida errante que já aprendeu a caminhar.
Por mais difícil que seja acertar, é preciso insistir. Acertar e ser melhor tornam a vida a mais prazerosa, mas não descarte o prazer que há nas tentativas de reconstruir a partir dos erros. Erros importam para nos ensinar como não fazer. E se alguém errou, mas se ergueu e se propôs acertar, seja no mínimo generoso. Não em passar mão na cabeça, e nem para escaldar o gato a qualquer momento, mas no sentido de oportunizar, com o coração aberto, um novo tempo dessa vida que, todos os dias, nos da a possibilidade de acertar ou errar, errar ou acertar, e com qualquer uma das escolhas, viver um novo dia.
Viver é isso, é caminhar, é paciência, é perseverança. E tentar uma, duas, três vezes, e se achar um novo caminho, tentar a quarta e seguir...
Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
Assinar:
Postagens (Atom)