- Portfolio ROGER CIPÓ
- Página inicial
- Entrevista com Roger Cipó para o AFREAKA
- Ensaio: "Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada"
- Ensaio: "Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada II"
- Ensaio: Oyun Mimọ - Gravidez Sagrada III
- As Faces e Vidas que me Olham - Retratos
- aFÉto - Uma série fotográfica sobre o Amor entre Orixás e Fiéis
- A Beleza dos Ritos - Uma Série sobre Saída de Yawo
- Oyá Muró - Princesa de Oyá
- Ensaio: Menino das Folhas
- Nega Duda na Paulista: A Rainha do Samba de Roda d...
- Série: Cotidiano de Axé - em Preto e Branco
20 de outubro de 2017
Em SP, Aparelha Luzia recebe AFÉTO exposição de Roger Cipó
AFÉTO chega a São Paulo e terá abertura nesse sábado, 21 de outubro, às 20H, na Aparelha Luzia, o quilombo urbano mais importante de São Paulo. [LINK DO EVENTO]
Sucesso no Festival Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro 2017, AFÉTO, a primeira exposição individual de Roger Cipó, com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, é resultado de anos de observação do cotidiano de terreiros de candomblé em São Paulo e Rio de Janeiro, numa tentativa de recriar a imagem do sagrado negro a partir da perspectiva de evidenciar a humanidade dos adeptos do candomblé, povo que historicamente tem sido vitimado pelo racismo religioso. Nessa perspectiva, o trabalho propõe um diálogo imagético como contra-narrativa às imagens criadas em olhares desconhecidos que de forma superficial olhou para as práticas pretas de fé com "lentes fetichizadas", atribuindo lugares pejorativos e quase nunca olhado para as dimensões sagradas e valorosas desses povos e seus territórios. AFÉTO vai de encontro à uma nova construção daquilo que se pode entender por ver o candomblé e sua digna totalidade.
Uma atmosfera que reinvidica o sagrado afrobrasileiro como caminho de auto-cura coletiva de um povo forjado na luta, não só por liberdade, mas pelas possibilidade de viver. Em AFÉTO, Cipó, um jovem que descobriu a fotografia como forma de comunicar sobre sua relação com sua fé, compartilha imagens pouco conhecidas no imaginário da sociedade quando o assunto é candomblé. Seus retratos contam histórias de amor que nascem a partir da experiência de fé nos orixás. De acordo com o artista, mais que um registro documental sobre um aspecto específico do Candomblé, o trabalho reitera a importância das relações interpessoais como forma de resistência do legado africano.
Serviço:
Aparelha Luzia recebe AFÉTO exposição fotográfica de Roger Cipó, curadoria de Marco Antonio Teobaldo
Abertura: 21 de outubro às 20H
Endereço: Rua Apa, 78. Campos Elíseos, São Paulo
EVENTO GRATUITO
18 de outubro de 2017
E os “brancos” do candomblé’?
Texto de Yasmin Rodrigues, originalmente publicado em Flor de Dendê
A intolerância religiosa, nos últimos vinte anos, aparece como um fenômeno violento que se dirige às religiões africanas em diáspora no Brasil. A questão é que o termo “intolerância religiosa”, embora pareça aglutinador, tem se mostrado insuficiente para nomear a complexidade do sistema opressivo sobre as crenças originalmente negras do país. Digo isso porque acredito que é passada a hora de superar jargões e frases de efeito, já que podemos e devemos olhar para nós e para os fatos com a densidade que merecem. A terceira pessoa do plural refere-se aos religiosos, não só aos pesquisadores e estudantes, mas a todos aqueles interessados em refletir sobre esta prática, principalmente os que são identificados como os ‘brancos do candomblé’.
Poderia escrever este texto fazendo mea culpa sobre minha posição na hierarquia racial brasileira, e que me mantém longe do genocídio que mata pretos no país. Poderia também me declarar como mestiça (e é esse o argumento utilizado por muitas pessoas brancas que se ofendem nos espaços de discussão acadêmica ou política por serem brancas, não é verdade?), mas seria de grande desonestidade, já que, até hoje, minha cor jamais foi uma questão.
Seria desonesto porque, ainda que eu seja o resultado do processo de branqueamento – política pública em andamento há cerca de 150 anos no Brasil, que fez com que a concentração de melanina tendesse a diminuir das peles brasileiras – jamais saberei o que é discriminação racial. Veja, sou de uma família que há décadas vem branqueando e que reúne, do lado materno, até onde pudemos saber, prevalência negra e indígena e, do lado paterno, uma genealogia bem definida, que remonta várias gerações, até hoje conhecidas e constituídas no norte de Portugal.
Bem simbólico, não é? No entanto, minha avó materna, apesar de negar sua negritude, era vista e apontada como mulher negra. Há quem diga que minha mãe é pouca-tinta, mas eu sou incontestavelmente branca (aos olhos da polícia, principalmente). A questão é que o racismo, enquanto sistema estruturante das relações de poder no nosso país, atua pela marca, de modo que é a cor da pele o que define se a experiência será mais ou menos violenta por aqui.
Privilégios
Neste sentido, é preciso afirmar que componho parte da população que fala por si e não se vê como parte de uma raça. Ao meu ver, assumir este posicionamento ao falar sobre os ‘brancos do candomblé’ é o nosso maior desafio. Certamente, é possível fazer com que pessoas visivelmente brancas se reconheçam dessa forma e consigam expressar-se declaradamente a partir de sua posição de poder e privilégios. Entendo que só assim conseguiríamos deslocar o problema da dinâmica racial, considerando a posição privilegiada que ocupo neste cenário. Bem, não tenho certeza se estou apta a fazer esta provocação, no entanto, posso falar sobre meus pares e consigo compreender e acessar nuances da performance social de pessoas brancas, entre as quais, candomblecistas.
É fato que para alguns movimentos que discutem e demandam sobre os direitos dos negros e negras, embora não seja uma posição hegemônica desses movimentos e das disputas políticas que envolvem religiosidade, “brancos no candomblé são abomináveis” e “Não deveriam existir”. Esse é um discurso facilmente encontrado, principalmente nas redes sociais, espaço onde a doutrina religiosa não funciona ou não garante que a interação se dê sob as premissas estabelecidas nos terreiros.
Por outro lado, há diversos, ‘mais velhos’ e ‘mais novos’ que são socialmente identificados como ‘brancos do candomblé’. Alguns desses se destacam por serem assíduos defensores da religião (enquanto sistema de crença tradicional) e seus pares religiosos (enquanto pessoas) de ataques discriminatórios nas ruas, nas redes sociais e até dentro de suas famílias.
O fato é que, a partir do movimento de ataque do setor neopentecostal e de defesa do setor afrorreligioso, surgiram diversos grupos contra a intolerância religiosa e a favor dos direitos dos religiosos de matriz africana. Na esteira dessas disputas, militantes negros, em maioria, passaram a classificar a violência direcionada aos cultos afro como ‘racismo religioso’ no intuito de demarcar a origem da discriminação no racismo antinegro, indicando que as religiões sofrem represália por serem originalmente negras. Pois bem, o que venho tentando refletir e fico me perguntando: mesmo se tratando de “racismo religioso”, não é possível que estejamos escamoteando a noção de corpo? De quem é o corpo que sofre ‘racismo religioso’?
É aí que os ‘brancos do candomblé’ entram, levantando a mão junto com os negros e batendo o pé em dizer que é o corpo do ‘macumbeiro’ que sofre. Tenho cá minhas dúvidas. Penso que o ‘xis’ desta questão está em algo que para o Povo do Santo é simples: no candomblé, nossa noção de corpo se estende também às nossas insígnias sagradas.
Junção
Desse modo, a roupa de ração, os fios-de-conta, o contregun e todos os demais paramentos que indicam a qual religião pertencemos, são também sagrados e partes indissociáveis do nosso corpo – esses objetos se alimentam conosco, representam a nossa ligação direta com o Orixá e nascem conosco quando renascemos. No entanto, no momento da discriminação, são eles, os artefatos, e não o nosso corpo humano branco, os alvos da discriminação.
Vou dar um exemplo: às sextas, quando me visto de branco e coloco meu fio-de-conta no pescoço, é normal que o lugar ao meu lado no ônibus demore um pouco mais a ser ocupado do que nos outros dias. O fio-de-conta e a roupa branca – insígnias negras! -, causam medo. Mas eu posso tirá-los e aí, a sociedade me vê como inofensiva. No entanto, já há pesquisas no sentido de que pessoas negras (principalmente homens) costumam ficar sozinhas ou são a última escolha para dividir a viagem no transporte público. Nesse caso, como no primeiro, o que é negro causa medo, repulsa. Só que para quem é negro não há alternativa: não há como se despir de sua própria pele…
É por este motivo que quando penso na discussão sobre os ataques dos neopentecostais aos terreiros país à fora, não acho honesto que nós, ‘brancos de candomblé’, entremos à reboque em uma leitura séria sobre racismo de origem por causa da escolha religiosa que nos atravessa. A origem dos brancos, numa análise sobre as interações, não é africana, muito menos melanodérmica (e ancestralidade e mestiçagem não são questões colocadas aqui.
Trata-se do efeito que seu corpo causa em outro corpo quando se vêem e como o outro te enxerga. E, vamos combinar?, este ‘outro’ generalizado não enxerga o branco como originalmente perigoso). E o racismo é antinegro. Antinegro. Pessoas brancas não sofrem racismo de qualquer tipo, sequer o religioso. E isso não é negar trajetórias brancas marcadas pela violência religiosa, mas admitir que esses corpos que nascem blindados, em algum momento, vestiram-se de vulnerabilidade quando colocaram sobre si símbolos tipicamente negros.
Os fios-de-conta, as roupas, o pano de cabeça são negros, são geneticamente (no sentido da gênese) negros. E não faz mal olhá-los assim, já que são vivos. Porém, penso que a reivindicação desleixada, feita por ‘brancos do candomblé’, por uma opressão que habita vidas brancas que acontece esporadicamente nos momentos de preceito religioso, tem feito muito mal ao enfrentamento da violência religiosa que todos estamos sofrendo.
--
Yasmin Rodrigues, é Dofona de Yewa do Ile Axé Omilayo e graduanda em Ciências Sociais pelo IFCS/UFRJ.
Nas fotos: 1 - Yasmin durante seu preceito. 2 - Detalhe de Yasmin e sua Iyalorisá, Sidnéia de Igbu, durante sua saída de yawo. Creditos: Roger Cipó - Olhar de um Cipó. Todos os direitos reservados
17 de outubro de 2017
As religiões de matriz africana, o Estado e a sociedade
As religiões de matriz africana, o Estado e a
sociedade: os desafios contemporâneos doethus e na práxis.
Celso Ricardo Monteiro para Olhar de um Cipó
O presente artigo é um resumo, fruto
da Conferência de abertura sobre os avanços e desafios das religiões de matriz
africana na contemporaneidade, por mim na V Plenária do Fórum Regional de
Promoção da Igualdade Racial de Sorocaba, em Setembro de 2017, motivo que muito
orgulha. O re-encontro com os velhos amigos, as novas amizades e avaliação da
conjuntura, foram de fato, motivos de muita emoção em tal oportunidade.
No momento em que acontece o FORPIR,
a sociedade brasileira assiste “calada” aos ataques de que foram vítimas os
Terreiros do Rio de Janeiro, mais uma vez, agora com um requinte de crueldade,
pouco conhecido por parte de todos nós, o que envolve um sujeito, que eu
classificaria como bandido evangélico, cuja missão é “limpar o morro” da força
do Satanás, em nome de Deus. Falo com base nos vídeos amplamente difundidos por
meio das diversas redes sociais ao longo de Setembro de 2017. Bem, á bem da
verdade, várias coisas tem acontecido nesse país, em nome de Deus, entre elas,
a possível morte do meliante, como que em um ato de vingança, cuja autoria
também se deu de forma bem singular. Entre os casos que nós conhecemos, depois
do ataque equivalente ao Terreiro de Bagan em Brasília, liderado por Mãe
Baiana, soma-se o ocorrido com a Iyalorixá que teve que quebrar seu quarto
sagrado, com as próprias mãos e o Pai de Santo usando camiseta com a imagem de
Cristo, que de igual forma destruiu os seus fios de contas, além dos recentes
ataques aos Terreiros de Carapicuíba e Jundiaí, no Estado de São Paulo. Isso tudo, logo depois do falecimento de Mãe
Beata e Ogan Marmo.
Para a honrosa conferência, partimos
do princípio de que existe no Brasil uma intensa encruzilhada entre a laicidade
e a intolerância religiosa, cuja profundidade só nos surpreende. Vejamos os
pressupostos elencados nesse certame:
1.
A
Constituinte de 1.998 nos garante o direito à liberdade de fé e de crença no
Brasil, mas por vezes, a teoria se contradiz á prática, no que se refere à
diversidade de sujeitos, nos informando que a sociedade tem um modelo de homem a
ser seguido, como nos conta a história da civilização humana;
2.
Alaicidade
é uma característica do Estado democrático e de direito, porém, os casos de
violência promovidos por violência religiosa são uma crescente na nação
brasileira;
3.
Para
efeito de organização do argumento a ser usado em defesa das comunidades
tradicionais de Terreiro, a diferença existente entre nós, sereshumanos que
pagamos impostos (também de forma desigual), édo campo jurídico apenas, mas, todo
e qualquer cidadão deve gozar dos mesmos direitos e deveres perante o Estado;
4.
Essa
diversidade de sujeitos de que tratamos cotidianamente, tem sido objeto de
estudo, texto de discurso político, justificativa de projeto, mas
desconsiderada na prática. Vide o impacto da intolerância religiosa na sala de
aula;
5.
A tal
laicidade que falamos tanto, refere-se conceitualmente à neutralidade
necessária para governar, diante das especificidades das organizações
religiosas existentes no mesmo território, considerando que, para muitos, essa
ampla diversidade religiosa, divide espaço com ampla harmonia. O direito ao
aborto é um exemplo brilhante disto;
Ao
estudar os contextos em que estão os Terreiros do país, faço isso ao menos há
duas décadas em média, provocado por Piercucci, avalio que as vulnerabilidades
só aumentam, uma vez que, além de estarem estabelecidos sempre nas periferias
do país, onde estão os piores índices de desenvolvimento humano, acesso à saúde
e à educação e outros bens, recursos e serviços, vão lidar com o impacto da
intolerância religiosa e do racismo, nesses mesmos territórios e na relação com
o aparato do Estado.
A
realidade dos Terreiros, segundo os bancos de dados oficiais, com ampla
invisibilidade, inclusive, além das pesquisas científicas, demonstra que a
intolerância religiosa é crescente em função da intensa busca pela garantia de
um Deus único, salvador, capaz de mover pedras e montanhas, o que configura um
projeto ideológico, de poder, cujo objetivo gira em torno dos interesses
políticos de um grupo, em detrimento de outro. Ora, é em nome de Deus que esse
fenômeno social acontece bem nos nossos quintais. É uma luta diária em torno da
garantia de direitos constitucionais e em meio à singularidade das pessoas,
além do direito à propriedade.
O
imaginário popular indica-nos certo ódio em meio a uma desigualdade acirrada
que surge em meio às diferenças étnicas e ideológicas existentes nesse
universo, que reúne pretos, pardos, amarelos, brancos e índios, além das
diferentes classes sociais que estes compõem. É fruto doracismo, imputado a
população negra ao longo da história, logo, apenas uma fatia do processo que
pretende dizimar a população negra e conta, entre outras, com o processo de
branqueamento e o capitalismo para isso.
Mas,
A
ancestralidade é um valor central, que serve de base para o Terreiro, mas, mais
do que isso, é o referencial de toda e qualquer pessoa. Aliada à descendência,
a voz dos ancestrais se dá por meio dos diferentes caminhos da vida, seja no
âmbito espiritual da consulta e das oferendas, seja cotidiana e rotineiramente,
da porta de nossas casas pra fora, pra o mundo, na relação com a sociedade
ampliada. Os entraves de uma vida tranqüila também são parte desse encontro.
(MONTEIRO, C.R; 2016)
Apesar
das inúmeras políticas públicas implantadas no país dos últimos anos (o
cadastro de diferentes sacerdotes junto ao INSS é uma delas), o que nos parece
uma contrariedade, o Estado democrático está repleto dessas pegadinhas. Assim,
os desafios presentes na relação entre o Estado, a religião e a sociedade vão
indicando também, a presença inconstitucional do Estado (formado por gente, que
representa diferentes visões de mundo e interesses) em universos que são
exclusivamente do campo da fé e crença.
Esse é outro fenômeno que não pode ser ignorado aliado ao fato de que, nesse
mesmo cenário, os Terreiros perderam mais uma importante batalha: o STF
entendeu que a Escola pública, universal e de qualidade, que tanto sonhamos, em
meio á essas inúmeras cenas de intolerância, deve ofertar ensino religioso –
confessional. Já, o contrário como todos
sabem, é fato consumado. E, o amplo envolvimento, a participação e convite a
certas organizações religiosas, para tomada de decisões importantes, sempre em
detrimento de outras, além da benção às determinadas instituições para
determinados atos, são uma constante no Brasil republicano.
Á
essa análise soma-se os inúmeros casos de vilipêndio que acontecem diariamente
no país, sem repercussão, tampouco resposta por parte das organizações governamentais,
que se omitem ou não possuem mecanismos possíveis de contenção dos casos, ou
punição dos mesmos, muito embora o marco legal seja claro e objetivo. Os
limites dessa relação obscena deveriam ser pauta dos grandes debates, creio eu.
Ao estudar o “Relatório sobre
Intolerância e Violência Religiosa no Brasil” do governo federal,
publicado em 2016, tem-se que o
documento (cuja publicação de dados similares inexiste no Estado de São Paulo,
apesar da criação da DECRADI), foi organizado com base no levantamento de dados
e informações em órgãos públicos que aponta que a intolerância religiosa e os
episódios de violência possuem grande invisibilidade, mas os casos giram em
torno do uso de categorias específicas, como macumbeiro, demônio, diabo.
Com
a violência gerada por ódio em meio à intolerância, segundo o texto,“organiza-se
assim um sistema acusatório, baseado na maioria das vezes em emoções e em um
plano inconsciente de compreensão, que demarca fronteiras no espaço social.” (BRASIL,
2016, p.59).As tais fronteiras conhecemos bem, visto que a cada encontro
casual, na saída do culto ou na volta do Terreiro, há sempre uma pedrada
esperando alguém, como no caso da criança agredida há alguns anos atrás, também
no Rio de Janeiro eque parece já ter caído no esquecimento. Note que nesse
caso, em particular, o autor da ofensa não foi o tráfico.
As
violências por motivação religiosa nas denuncias recebidas por Ouvidorias entre
2011 – 2015, diz o documento, são:66% de ordem psicológica; 09% de ordem moral;
07% de ordem institucional e 03% por negligência;87% das denuncias recebidas
por Ouvidorias são de danos psicológicos e 07% de ordem física;36% das
violações dá-se em casa, 11% na rua e 2% no universo da saúde pública; as
vítimas em sua maioria são adultas, mas as ocorrências também reúnem crianças e
idosos.
Entre
as vítimas, 47% declaram-se de pardas;17% são pretas; 51% das ocorrências são
contra pessoas do sexo masculino e a maioria dos casos refere-se a vitimas
pertencentes a religiões de matriz africana, com um total de 27%,contra 35% sem
informação declarada, 16% de religião evangélica e7% de religião espírita.
Entre
os 84 agressores categorizados, 17% eram de religião evangélica;52% eram
mulheres; 81 % eram adultos; 53% eram brancos; e73% não tinham informação sobre
religião;
Ainda
sobre os agressores, o estudo demonstrou que27% eram vizinhos, 23% eram família
e12% eram gestores.
O
enfrentamento à violência que acontece em diferentes níveis implica em avaliar
o como as práticas de intolerância ocorrem no cotidiano da sociedade e,
elaborar respostas que atendam as necessidades básicas dos seguidores de
religiões afro-brasileiras, para assim, garantir efetivamente o direito ao
livre exercício da religião deveria ser uma estratégia para garantia da
laicidade. Mas como sabemos isso não ocorre.Os desafios são inúmeros: a recente
Lei do Abate e ação civil pública, em que o objeto é o sacrifício de animais
nas comunidades de Terreiro, ignorando, o uso cultural do abate, em outros
espaços e instituições, além da histórica atuação da Igreja Universal do Reino
de Deus e as demais Igrejas neopetencostais, via canais abertos de TV,
financiados pela União, muito embora o povo de santo tenha se manifestado junto
ao STF e a Igreja, condenada a ofertar direito de resposta, compõem esse
cenário.
Além disso, se existem avanços
políticos na sociedade, é fundamental lembrar que esses não alcançam quem mais
precisa deles e nesse universo, existe uma densa quantidade de pessoas
declaradamente negras, que compõem os Terreiros. É, portanto, a transformação
da sociedade e dos indivíduos,para além da Escola e da sala de aula, um dos
principais objetivos que se deve seguir, visto que, em se tratando de políticas
públicas, existe uma lacuna profunda entre as tais conquistas significativas e,
a ampla lista de desafios a serem enfrentados. Essa transformaçãodeve seguir com
vistas às possibilidades de respostas coletivas, que vão da organização da
sociedade á construção de um Estado realmente livre de preconceito e
discriminação. Aqui, mais uma vez, está em pauta, o direito á propriedade, mas
me refiro, à propriedade da vida e da liberdade do outro e, ao que tudo indica
o opositor não está brincando.
Esta reorganização
da sociedade de que tratamos aqui, dá-se, porém, com a perspectiva de mudanças
impactantes, capazes de envolver a todos, em pé de igualdade, em todo o ciclo
de vida, individual e coletiva, nas diferentes esferas da vida privada.
O
famoso Tribunal de Valladolid (Espanha de 1.550), que ainda não acabou,
demonstra, porém, que as divergências são da natureza humana, em busca de poder
sobre o outro, razão pela qual é preciso adestrar e disciplinar os indivíduos, como
quer Foucault,civilizando-os e tornando-os aceitáveis, a partir da avaliação
etnocêntrica do que é o mundo melhor para todos. Com um tribunal histórico,
ainda não finalizado, mantêm-se a idéia de preto sem alma, ou de cidadão não
civilizado que deve apenas, atender os interesses de seus superiores, pois tem
dentes fortes, força corporal, mas não possui a humanidade de seu avaliador. Se
este processo avançar, o embranquecimento terá, portanto, alcançado o seu
objetivo central, que por sinal, desde há muito, busca tirar do caminho todos
aqueles que não se encaixam no mundo ideal, segundo os valores civilizatórios
europeu.
Mas, é importante lembrar o como e o quanto os
discursos e as relações de poder compõem o nosso cotidiano, condicionam e assim
docificam os corpos dos sujeitos. É um processo, com passos previamente
definidos e objetivo claro, com estratégias organizadas de forma a permitir que
o sujeito questione os fatos, mas não consiga responder e, para isto novamente,
é preciso adestramento, disciplina e vigia, pois a disciplina controla o corpo
do individuo na sua totalidade e isso soma-se à vigilância, a sanção, o
adestramento e o exame. (MONTEIRO, CR; 2016)
Com base na ampla produção científica
disponível, é preciso lembra que, para cada louco, um hospício, com regras, normas,
códigos, vigilância e disciplina; para cada doente, um médico, com remédio
(sossega leão), punição e crítica, ao invés de respeito, acolhimento, escuta
qualificada, atenção e cuidado.E que a gente não se esqueça do capitalismo selvagem
quejá chegou também no mato e,as questões econômicas que permeiam esse
debate.Logo, é preciso vigiar e punir todos aqueles que não se adéquam ao
sistema, que não se permitem docializar, que não querem ser civilizados segundo
o padrão do outro.
É
preciso na sociedade disciplinar, punir aqueles que não comungam da idéia de
sociedade civilizada, por rebeldia, mesmo quando o outro está determinando o
que é bom pra ele, de forma genuína e generosa. Logo, é preciso vigiar e punir
todos aqueles que não adequam-se ao sistema, que não se permitem docializar,
que não querem ser civilizados segundo o padrão que lhe éimposto.É preciso
punir aqueles que não compõem a sociedade civilizada, porque atuam em nome do
Satanás, mesmo quando o outro está determinando o que é bom pra ele, de forma
genuína e generosa.
Mas, e preciso reagir à manutenção
das práticas e do status-quó. Com um universo desta magnitude, é fundamental
uma resposta articulada, construída de fato, por várias mãos, diante do
conjunto de desafios que ameaçam a manutenção das tradições de matrizes
africanas cotidiana e rotineiramente, nos diferentes espaços da sociedade e do
Estado. Para tal, é preciso revistar a história da civilização, questionando os
processos, discursos, as narrativas, os projetos político-ideológicos, que
reúnem, por exemplo, as inúmeras tentativas de cura de gays e os procedimentos
que nos trouxeram ao mundo atual.
Além
disso, é preciso atenção aos exemplos que nos foram ofertados ao longo dessa
mesma história, seja por nossos ancestres, sejam pelos ativistas e demais
lideranças que chegaram a sentar-se na mesa do Estado, ou organizaram suas
comunidades, com diferentes mecanismos e recursos, tendo o preconceito, a
discriminação, o racismo, a xenofobia e as intolerâncias correlatas, como pauta
de uma luta intensa e diária. Avante!
Referencias:
BRASIL. Relatório sobre
Intolerância e Violência Religiosa no Brasil. Presidência da República;
2016.
FOUCAULT, M. Vigiar e
punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
FOUCAULT, M. A
ordem do discurso. São Paulo, SP: Loyola, 1996.
MONTEIRO, C.R. O doce
encontro entre ancestrais e descendentes, segundo o ethos e a práxis.Portal Áfricas;
2016.
MONTEIRO, C. R. O
ambiente hospitalar: a loucura, os corpos dóceis, as relações de poder e os
fatores econômicos na sociedade disciplinar. FMU – Faculdades
Metropolitanas Unidas; 2016.
*Sacerdote do Asé Igbin de Ouro. Contatos: montcelso@yahoo.com.br
Fotos: Roger Cipó - Olhar de um Cipó. Todos os direitos reservados]
Assinar:
Postagens (Atom)