26 de fevereiro de 2016

Santos recebe 15ª Procissão de Yemanjá no domingo (28/02)

Cada vez mais, Fevereiro é o Mês de Iemanjá!


Inspiradas na tradicional Festa de Iemanjá do Rio Vermelho, que há décadas acontece em Salvador todo 02 de fevereiro, centenas de celebrações nasceram pelo país em homenagem à Rainha dos mares, Mãe de todos os seres, ou como bem traduz seu nome original (Yemojá), do yorubá: Mãe cujo os filhos são peixes. É Iemanjá, a divindade africana mais famosa no Brasil que, pela luta de seus filhos e filhas, tem ganhado espaço e visibilidade nas cidades brasileiras.



No próximo domingo, 28 de fevereiro, milhares de fiéis se reunirão para a 15ª edição da Grande Procissão de Yemanjá.  Garantida no calendário turístico e cultural oficial do estado e da cidade de Santos, a Procissão tem como objetivo garantir a manifestação do povo das religiões de matriz africana e unir a Umbanda e Candomblé, em reverências à Iemanjá, "numa demonstração de força e união. Até porque, juntos somos mais fortes", pontua o Babalorixá Marcelo de Logun Edé, idealizador e organizador do evento.

Com concentração na ponta da praia, próximo ao Aquário de Santos, a Grande Procissão terá inicio com atividades artística e seguirá para o mar, onde acontecerá a Procissão Marítima e entrega das oferendas à  Iemanjá.


Segundo Babá Marcelo, a ideia é se reunir para passar também a mensagem de união e paz entre os povos, e comentou: "Agora, de uns anos pra cá, temos feito e falado sobre o inter-religioso, e isso é de suma importância. Teremos também representantes de outros seguimentos lá..."

Mais que celebração ritual, a Grande Procissão de Yemanjá é uma  importantes de afirmação da luta social do povo de Axé pelo direito à crença e liberdade de expressão da fé.  


"Esse manter das nossas tradições é de suma importância, pois fazemos parte de toda a história desse nosso país, trazendo nossas origens africana." Lembra Babá Marcelo que esse ano, contou com uma comissão organizadora formada por sacerdotes, representantes de movimentos artísticos, culturais e religiosos, além de uma mobilização nacional via redes sociais, com mensagens de diversos sacerdotes e sacerdotisas de terreiro de todo país. Clique no link para ver alguns depoimentos, entre eles o de Babá Pece, sacerdote da Casa de Oxumarê (Salvador), Egbomi Nice da Casa Branca do Engenho Velho (Salvador) Mãe Luisinha do Axé Batistini (São Bernardo), entre outros: https://www.facebook.com/procissaoyemanja/videos


A Grande Procissão de Yemanjá não é só um evento religioso, para religiosos. É também um espaço de confraternização e conscientização social. Você também pode se vestir de branco e somar nessa grande corrente. "É a compreensão de todos os religiosos que branco é universal, e é a representação da paz." Babá Marcelo relembrou e reforçou o convite. 

Serviço: 
Grande Procissão (Terrestre e Marítima) de Yemanjá de Santos 
Data: 28/02 às 14H 
Concentração na Ponta da Praia - próximo ao Aquário Santos


Matéria: Roger Cipó - Olhar de um Cipó 
Fotos: Acervo digital da Procissão de Yemanjá














24 de fevereiro de 2016

Desconstruir é Importante: 17 Inverdades sobre o Candomblé



1. “O Candomblé não é lugar da família e um casal não pode pertencer à mesma comunidade” – o Candomblé é familiar e nasce para a reconstituição da família e para a sua manutenção. A palavra Candomblé poderia ser sinônimo de “Família”;

2. “Candomblé não é o lugar de crianças” – no Candomblé, acredita-se no interminável, no contínuo, em uma linha sem fim que inclui todos, desde os mais jovens aos mais velhos; 

3. “Cada Casa é uma Casa”– somos parte de algo maior e, por isso, quem se crê único toca apenas levemente o todo. Pode acontecer, mas não é uma verdade absoluta; 

4. “Somos desorganizados, desunidos” – não! Não somos! Se fôssemos, nem Candomblé teríamos (...) Fomos, intencionalmente, excluídos dos movimentos sociais, culturais e da política e, agora, estamos fazendo o caminho inverso. Some-se a isso a questão de seremos “denegridos” e, durantes séculos, termos sido obrigados a viver na segregação, no silêncio e guardados em “nosso mundo”; 

5. “Somos fracos e não lutamos!” Lutamos, diuturnamente, desde que fomos arrancados da nossa Terra, da nossa Família, da nossa História, das nossas Crenças e da nossa Cultura. Criamos estratégias sutis de luta e manutenção desses valores e, por isso, podemos praticar “livremente” o Candomblé hoje. Se assim não fizéssemos, estaríamos todos mortos e com ele o Candomblé; 

6. “O Candomblé é o lugar da dor, culpa e sofrimento” – quem ou que povo, em sã consciência, criaria um sistema de crenças e valores para desunir, torturar, desumanizar mais ainda as pessoas? Considerando a escravidão, esta mentira não faz sentido algum; 

7. “As pessoas estão no Candomblé por amor ou pela dor”: a dor é das pessoas [sim, somos humanos] e as divindades clamam pela nossa aproximação para que possam nos proteger e cuidar de nós; as divindades foram designadas pelo “criador” – “pré-existente” para criar o mundo, cuidar de nós e nos manter vivos e felizes;

8. “Orixá, Nkisi ou Vodun matam ou podem matar aqueles que deveriam guardar” - não faz sentido, os três valores do Candomblé são: 1) Filhos (descendência e manutenção da memória); 2) Longevidade (se a “divindade” matasse e fosse feita para isso, iria contra este princípio ancestral); 3) Poder de trocas (que dizem respeito às relações, aos movimentos e à ética do empoderamento);

9. “Candomblé é coisa de gente sem cultura” – a pergunta é: como alguém sem cultura conseguiria praticar, a um só tempo, uma “Fé”, “Ciência”, “Filosofia”, “Cultura”, “Medicina” e, de quebra, manter a África Ancestral no Brasil, mesmo diante de sua negação e diante do Racismo? 

10. “Somos bruxos e feiticeiros” – sim, há bruxos e feiticeiros no mundo, mas não podemos falar por eles. O Candomblé é da natureza e dos fenômenos da natureza; acreditamos em milagres, no intangível, no invisível, mas quem não acredita? 

11. “Não acreditamos em ‘Deus’ (...)” – crença e cultura são fenômenos sociais intrínsecos; o fato de a nossa crença voltar-se a divindades “negras”, “africanas”, “míticas” e “da natureza” não quer dizer que não acreditamos em Deus;

12. “Somos antiéticos e imorais” – a moral é um princípio cristão e tem bases no culto ao medo e à culpa, ela não empodera o outro, apenas o aprisiona e controla. O Candomblé é o lugar de uma ética do empoderamento, ou seja, estamos em família e, ao empoderar o outro, todos se empoderam. A visão de mundo do Candomblé é afrocentrada e, por isso, fala-se em ética do empoderamento. Há valores, há disciplina, há um código de ética e muitas lições ancestrais. Mas deve ser sempre um convite, nunca uma convocação;

13. “Não temos liturgia – sistema organizado de crenças, valores e princípios”. Temos e ela é levada a sério, porque, ao desrespeitá-la, negamos o “criador”, os “nossos guardiões” e os fundadores do Candomblé;

14. “Eles judiam dos animais e os matam” – o Candomblé possui um “Modo Tradicional de Alimentação”, alimentamo-nos da mesma proteína animal comprada no açougue e comida fartamente nas churrascarias, mas somos contra a dor, a tensão da “imolação” e contra o modo como a sociedade em geral consome carne. Comemos bodes, galinhas, galos e aves, escolhidos ou criados por nós, tratados, lavados, honrados ritualmente e, depois, essa carne sagrada se junta à comunidade e une a comunidade. O princípio é do repasto e do comer em família e isso começa desde a escolha ou criação do animal que servirá de alimento. O rito não inclui barbárie e fazer o animal sofrer, como é comum em abatedouros, não faz parte do rito ancestral;

15. “Eles cultuam os mortos e pedem o mal a eles” – sim para cultuamos os “mortos” – tomos aqui o sentido ocidental e assustador da palavra. Cultuamos os mortos, mas não como a nossa coirmã Umbanda, que também não prega o “MAL”. Somos a religião da memória ancestral, da continuidade, o culto àqueles que estiveram conosco é um museu historiográfico. Honramos a “morte” que nos toca quando chega a hora e honramos igualmente os nossos entes queridos e isso se dá por meio de um complexo conjunto de ritos e saberes ancestrais; 

16. “Todos são homossexuais no Candomblé” – pouco importa afirmar ou negar isso. Eles também estão conosco e em família. No Candomblé, todos são humanos e a sexualidade ou identidade de gênero, que são coisas diferentes, são humanas e como o Candomblé é humano e essas pessoas são, igualmente, filhos e filhas do criador, estão conosco entre humanos. Somos todos humanos.

17. “Somos APENAS uma religião” – não, não somos apenas “isso”, no sentido ocidental da palavra – creio que nenhuma religião o seja “só isso” conceitualmente; somos um Quilombo Urbano, Quilombo Contemporâneo, somos guardiões dos saberes ancestrais africanos, somos negros, somos seres-humanos unidos para resistir à segregação que se apresenta por meio dessas mentiras, somos homens, mulheres, jovens e crianças, somos um espaço privilegiado que reproduz valores ancestrais da África Negra; somos o lugar do corpo e da palavra, somos o amor e a vida que se volta ao criador por meio da natureza e da humanidade.

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Texto de Professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira
Babalorisa da CCRIAS – Comunidade da Compreensão e da Restauração Ile Axé Xangô São Paulo, 12 de março de 2015. 
criasango@gmail.com
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https://www.facebook.com/ccrias/
https://www.facebook.com/Coisas-do-Povo-do-Santo-106230929…/
Coordenador do Projeto de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial “Conversa de Terreiro” – Jornada de Diálogos, Estudos, Sistematização de Conhecimentos Ancestrais da África Negra no Candomblé Nagô-Queto – criasango@gmail.com

Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

12 de fevereiro de 2016

Diadema oficializa o Dia das Águas de Iemanjá e garante lei em prol das Tradições de Matriz Africana

Enquanto comunidades de terreiro de algumas cidades brasileiras tem suas práticas ameaçadas e direitos silenciados, como é o exemplo do Município de Valinhos - que na semana passada votou e provou o projeto de lei que pretende criminalizar o uso de animais em rituais religiosos - o povo de matriz africana de Diadema comemora a aprovação do Projeto de Lei 77/2015, de autoria do Vereador Josa Queiroz (PT) que oficializa a data 02 de fevereiro como o "Dia das Águas de Iemanjá", na quarta cidade mais negra do país.

Josa Queiroz (PT Diadema) é o único vereador Umbandista, em Diadema.


Há quase uma década, a Festa de Iemanjá é realizada na cidade, por esforços das comunidades  e da Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema (FUCABRAD).


Com somente um voto contrário, o Dia das Águas de Iemanjá entra para o calendário oficial do município e passa ter "tratamento igualitário, assim como tem outras religiões", afirmou o vereador Josa Queiroz, que tem se empenhado para garantir os direitos e valorização das tradições de matriz africana, na quarta cidade mais negras do Brasil.

Clique para acessar o projeto de lei: http://www.cmdiadema.sp.gov.br/PLidos/PL077-2015.pdf

"É de fundamental importância que a gente tenha leis aprovadas que vão de encontro com o reconhecimento, e com tratamento igualitário para as nossas religiões. Infelizmente, por termos poucos representantes que assumam de fato a nossa religião, nós ficamos limitados a ter projetos numa dimensão muito menos do que aquilo que nós representamos e do que representa nossa religião. Esse projeto vem muito de encontro com esse diálogo de estabelecer que as comunidades sejam reconhecidas, de estabelecer que a nossa religião seja tratada de forma igualitária, assim como outras religiões são tratadas no âmbito municipal. Aqui em Diadema nós temos diversos projetos que fazem referências às comunidades católicas e evangélicas, e nós procuramos, no nosso mandato priorizar que o mesmo tratamento seja dado ao povo do santo, ao povo da Umbanda, ao povo das religiões de matriz africana, de Diadema." - Explicou o vereador que é Umbandista e além do oficialização do Dia de Iemanjá, lutou para aprovação de outros projetos de leis que pautem e reconheçam as celebrações do Povo de Santo diademense, entre eles: a criação da Medalha Francelino de Shapanan que homenageará sacerdotes e sacerdotisas da cidade; Medalha Zélio Fernandino de Moraes, em referência aos dirigentes da Umbanda; e a oficialização do Dia Municipal de Combate à Intolerância Religiosa, Dia da Umbanda, e a inclusão da Tradicional Festa de Ogun no calendário da cidade:
 "Acho que é muito pouco ainda, diante do que nós representamos, diante da importância que nós temos, mas não vamos deixar de continuar trabalhando para trazer outros projetos." comentou.



Segundo Josa, "Resistência ao projeto sempre tem. Infelizmente... Os vereadores, no nosso caso aqui, não assumem publicamente qualquer tipo de contrariedade de posicionamento em relação a projetos que vão de encontro com o interesse da nossa religião e do nosso povo. Mas obviamente aqueles que representam os setores das igrejas evangélicas, esse tem assumido posicionamentos claros, e inclusive votado contra.
Nós tivemos um voto contrário de um membro da Assembléia de Deus. São setores mais reacionários. Setores mais radicais e que demonstram claramente que o discurso de intolerância, de preconceito e homofóbico ocorre em grande escala.
Na medida que um vereador, representante desse segmento, se posiciona contrário, ele demonstra que ele não tem respeito nenhum por outra religião, que não seja a dele.
Mas isso é tranquilo também. Estamos aqui para fazer o enfrentamento, o debate e se houver necessidade, convocamos o nosso povo para ocupar o plenário da Câmara e fazer pressão política. Não houve necessidade. A grande maioria dos vereadores entendeu a importância do projeto e votou favorável. Foram 18 votos favoráveis. O presidente não votou porque ele não vota esse projeto, e duas abstenções - uma por falta de um vereador e outro voto contrário (vereador membro da Assembléia de Deus)".

"Essa discussão de como a municipalidade trata nossos direitos e deveres tem muito a ver com o nosso nível de organização. Aqui em Diadema, nós temos um nível de organização muito grande. A FUCABRAD se faz presente, ocupa os espaços e participa dos fóruns de debates e discussão e é uma federação extremamente atuante na reinvidição dos direitos da nossa comunidade. Isso se dá em todos os sentidos: na organização de eventos, simpósios, seminários. Isso se faz presente também quando ocorre situações de perseguição em templos e casas nossas. Então o fato da Federação se fazer presente, o fato da gente ter um vereador aqui na Câmara que representa os nossos interesses, faz com que o poder público local tenha um tratamento diferenciado. Um tratamento que não é o adequado, não é o ideal, mas que nós estamos trabalhando bastante para que esse tratamento, cada vez mais, se assemelhe ao tratamento dado para outros seguimentos e religiões."

[Entrevista cedida pelo vereador Josa Queiroz ao blog Olhar de um Cipó, em 12/02/2016. 
Foto I: Roger Cipó - Olhar de um Cipó / Foto II: Reprodução]








5 de fevereiro de 2016

Valinhos (SP) vota projeto Inconstituicional contra Religiões de Matriz Africana


No último dia 02/02, enquanto milhares de brasileiros celebravam o Dia de Iemanjá, em festejos pelas praias do país, a Câmara Municipal de Valinhos (SP) votava e aprovava, por unanimidade, o projeto de 147/2015  que Dispõe sobre a proibição de utilização, mutilação ou sacrifício de animais em rituais religiosos ou de qualquer outra natureza no Município, e dá outras providências.

O projeto que agora segue para aprovação ou veto do prefeito da cidade, obteve parecer contrário da Comissão de Justiça. 


A inconstitucionalidade do projeto de lei 174/2015 



O projeto é inconstitucional e atenta contra os direitos das tradições de matriz africana, previstos na Carta Magna brasileira, de 1988, sobre tudo no que versa o Art. 5º: 

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
 (...)
 VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Leia a matéria de Gill Sampaio Ominirò, do projeto Candomblé sem Segredossobre os aspectos jurídico, atropológico e religioso do sacrifício de animais nas religiões de matriz Africana: http://candomblesemsegredos.sitepx.com/url-1403033158.html

Movimentos sociais, coletivos e demais organizações afroreligiosas da região estão se organizando para ações e posicionamentos de repúdio ao projeto: 

NOTA DE REPÚDIO CONTRA O PROJETO DE LEI N.º 147/2015 – LEGISLATIVO (VALINHOS-SP) QUE “DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DE...
Publicado por Sidnei Barreto Nogueira em Sexta, 5 de fevereiro de 2016

NOTA DE REPÚDIO E CHAMAMENTO DASCOMUNIDADES TRADICIONAIS DE TERREIRO.O Coletivo Saravaxé de Campinas vem a público...
Publicado por Oluandeji Diá Ngola em Sexta, 5 de fevereiro de 2016




4 de fevereiro de 2016

Crianças no Candomblé - 21 Imagens e 21 Motivos


O Professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira listou 21 “motivos” para que você permita a iniciação/ingresso de crianças no CANDOMBLÉ [se não for de CANDOMBLÉ, aí a história é outra] – um olhar sobre um espaço de desenvolvimento bio-psico-social privilegiado. Tomei a liberdade e, ilustrei a lista com 21 imagens colhidas ao longo dos anos de pesquisas e registrosdas relações sociais e sagradas dos terreiros de candomblé. 
Confira:


1. O Candomblé valoriza a família, a vida em família e é uma família; sendo assim, a criança é vista como um vir a ser e como a continuidade da família e da vida em família – ela é e deve ser elemento nuclear e protagonista neste universo africano;


2. Considerando a crença nagô de que nascemos sempre na mesma família – uma das explicações nagôs para uma existência cíclica e contínua, a criança pode ser um ente querido que retornou para o seio de sua família, manter esta criança e valorizá-la por meio da iniciação são também formas de, mesmo sem saber explicitamente, valorizar esta memória ancestral;


3. A iniciação é um processo de vínculo com o sagrado, com a centelha-divina-divindade- ancestral, com a divindade africana como guardiã da vida da criança, com a família – pais e parentes – se também o forem iniciados e, sobretudo, com a identidade africana-“preta”-“negra”- África- berço do mundo da criança;


4. Por meio da iniciação, a criança é alçada à posição de protagonista do processo iniciático que se reproduz em diversas formas de carinho: alimentação, roupas, colares especiais, pinturas matinais, banhos de folhas sagradas, cantos, danças, rezas, modos de ser e fazer dentro de um novo país chamado Candomblé;


5. Por meio dos cantos e rezas a criança aprende e se diverte com uma nova língua;




6. Por meio da dança, a criança aprende e se diverte, movimentando o corpo de forma mítica;



7. Durante o processo iniciático, há a contação de (h)estórias e, mais uma vez, a criança aprende e se diverte com atividades de escuta e memorização;


8. A criança aprende a respeitar os mais velhos: pais, mães, avós, tios e todos da nova família de Candomblé;


9. Além dos pais e mães e parentes biológicos, a criança reforça estes vínculos – quando a família também é do Candomblé, ou cria novos vínculos com novas crianças, novos tios, irmãos e passa a ter mais um orientador/cuidador que, no caso, é seu iniciador ou iniciadora no Candomblé; 


10. A criança se flexibiliza e, desde cedo, aprende que a vida é feita de espaços/deslocamentos e ela passa a ter o seu espaço – a esteira como sua cama, mesa e espaço também de diversão. Ela pode chamar os amiguinhos para compartilhar esse espaço;


11. No momento chamado de “Efun” ou “Queima de Efun” – momento de consagração do corpo aos primórdios e aos Orixás primordiais e à gênese do corpo em Oxalá – pintura sagrada do corpo do iniciado; a criança é pintada e isso também é uma forma de valorização do seu corpo, forma lúdica e, sobretudo, forma de carinho que percorre todo o seu corpo. Muitas vezes, ela nunca recebeu um carinho sagrado desta sorte;


12. A palavra-cantada acompanha todo o processo iniciático e isso, além de lúdico para a criança, estimula a sua memória – sabe-se o quanto a música é benéfica à memória da criança;


13. No Candomblé, em momento algum, a criança é um adulto em miniatura e, desde cedo, mesmo como criança, ela aprende coisas novas e assume responsabilidades com o grupo – isso, sempre de acordo com a sua idade;


14. Se a criança for “preta” – “negra” – “diferente”, “gorda”, “magra” e afins – considerando os padrões e olhares sociais normatizados e excludente, ser do Candomblé pode ajudá-la na construção de uma identidade, em certa medida, diferenciada e que a proteja das diversas formas de violências contra as crianças e das diversas e diferentes formas de exclusão. Reconhecer-se do Candomblé – marginal – pode ajudá-la a se defender, bem como a frustrar-se menos diante de uma sociedade racista e excludente, quem se sabe e se sabe protegido e com os “diferentes” tem a sua identidade reforçada;


15. Os Orixás são também guardiões dos seus filhos/iniciados e, nesse sentido, trata-se de, no universo sagrado- ancestral, a criança ter um cuidado a mais para uma vida longeva, com saúde e felicidade – valores nagôs;


16. Ainda a questão do espaço: neste Candomblé cíclico e contínuo, a criança iniciada tem papel de protagonista e tem seu espaço, ela é honrada, louvada e protegida, como criança, que será o futuro da comunidade, porque sabem que, efetivamente, ela o será. Em uma sociedade que nega o espaço a esta criança, encontrar um espaço privilegiado no Candomblé pode, em certa medida, compensar esta ausência e, por isso, ela gosta de estar nele;


17. No Candomblé, a criança se torna protagonista da própria História a partir do momento em que, ainda que seja criança, pode ser o-a "irmão(ã) mais velho(a) de alguém"; ainda assim não deixando de ser a criança em formação; 


18. A criança tem de lidar com realidades, muitas vezes, diferentes da sua e da sua casa. Conviver com novas crianças e adultos, fazer novos amigos, vivenciar novas experiências;



19. A criança aprende a se abaixar aos mais velhos e abaixamo-nos para falar com ela e, quando em transe de Orixá, quando ela se torna Orixá, Vodun ou Nkisi, os adultos e mais velhos deitam-se a ela e batem a cabeça para ela que, naquele momento, é a divindade africana e a África ancestral;


20. A criança recebe a possibilidade de pensar-se além dela, além do visível, do concreto e do tangível. Ter o sagrado e o inefável como companhia a ajuda com questões que nos são caras como a morte e/ou rupturas. Igualmente, a criança aprende no Candomblé a importância da natureza e a negação do desperdício;


21. Finalmente, em uma sociedade, onde a criança é cotidianamente esquecida, violentada, deixada à mercê apenas de equipamentos eletrônicos e tendo a televisão como Babá, ser filha de um corpo, de uma comunidade, de toda uma família e ser cuidada por esta família, proporcionar-lhe-á momentos não mais comuns na vida moderna. Vale destacar que o Candomblé empodera esta criança desde cedo e ela pode se tornar com sete ou dez anos um Ègbón (irmão mais velho), Ogá (Líder da orquestra do Candomblé) ou Ìyá Ekede (segunda mãe e aquela que zela pelos Orixás). As crianças podem aprender e ensinar, sempre!

Fotos: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved