31 de julho de 2015

Roupas Brancas: Para além do Preceito e da Paz de Oxalá


Eu já disse que se as condições financeiras me permitissem, usaria branco todos os dias da semana. Trocaria o guarda roupas para que a maioria das peças fossem alvas e, no máximo, com variações em tons claros - os mais próximos do branco possível.
Faria com orgulho e com a certeza de um passo a mais na aproximação com Oxalufan, eus que rege a minha existência no mundo e que vive por todos os elementos por onde a cor branca e suas sutis variáveis perpassam.

Vestir-se de branco vai muito além de cumprir um preceito para não “quiziliar” o Senhor que nos permite Ar para respirar; 
vestir-se de Branco vai muito além de se resguardar no período em que Oxalá passa na Terra para visitar os seus filhos... 
Vai muito além de pedir Paz. Até porque Oxalá não é só paz como pensamos. E ele se veste para Guerra. 



Oxalá é a divindade africana da criação de Homens e Mulheres. A força que sopra vida nos seres. 
É quem permite o último suspiro na vida terrena.
Oxalá é Vida e Morte; É Paz e Guerra! 
E eu sou seu filho, sou Paz e Guerra: Paz em Querer Paz, e Guerra para se manter vivo. Por isso, meu desejo é vestir-se de branco todos os dias.
Vestir-se de Branco é por fé, e sobretudo, um Importante Ato Político. Toda vez que ocupamos lugares com nossas vestes brancas, estamos também ocupando um lugar em ação política para afirmamos que: "Sim! Temos e fazemos uso do direito de estar onde quisermos, e representar quem representamos, a força de Oxalá e dos Deuses Africanos. 
Quem estranha meu Branco, Estranha a Paz que vivo. Estranha por Intolerância. 

Vestir-se de Branco é manter viva a Luta.
 É criar o costume, até que parem de estranhar-nos quando caminhamos limpos pelas ruas sujas de racismo.

É preciso tornar normal a prática de respeito à gente que carrega em seus vestes e adereços, toda a força de uma ancestralidade que é vivida, todos os dias da vida de quem tem Orixá.



Meu Branco é Luto!
Eu nasci no Branco!
Meu Orixá veste Branco
Come no Branco
e domina todas as Forças do Branco
Eu Vesti Branco quando Mãe Dede foi Assassinada
Não vesti um Branco de Paz, não
O Branco de meu Pai também é Luto!
Quando Kayllane foi apedrejada, eu já estava de Branco
No Branco do Luto.
Um Luto pela Liberdade de Crença que é violentada todos os dias
Meu Branco é de Luto pelo Direito de Expressão da Fé assassinado
O meu Branco, eu vesti quando nasci para Buscar a Paz, na Guerra, no Embate, na Luta porque eu visto Luto sim! E me visto do Verbo Lutar que é Branco em Essência.
Visto Branco, sem Flores
Visto Branco, com Pedras na Mão, de Luto!
 

Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved













30 de julho de 2015

Sabejé na Paulista: Ritual e Ato Político pela Cura da Intolerância Religiosa



(Por Roger Cipó)

Quando o ritual ocupa a avenida mais famosa do Brasil em um Ato Político de Cura Social, Contra Invisibilidade e Intolerância Religiosa.


O Candomblé é uma religião de resistência cultural e social, para a sobrevivência. Grande foi e é sua contribuição para o empoderamento de importantes lutas e movimentos de fortalecimento das batalhas negras. Lembremos Luiza Mahin, que nas primeiras décadas do século XIX fez de seu ofício de quituteira, um canal de articulação, e de seu tabuleiro de doces, distribuía mensagens em árabe, aos irmão que com ela adquiriam quitutes camuflando escritos com orientações sobre a organização do importante movimento que ficou marcado na história como a Revolta dos Malês.
Atualmente, a revolta se faz presente nas ações protagonizadas por terreiros e religiosos organizados contra a opressão racial e intolerância religiosa. Os tempos insistem em ser difíceis para os adeptos das religiões de matriz africana que erroneamente foi contabilizado pelo IBGE como apenas 0,3% da população brasileira. Mais uma estratégia fundamentalista de manter a fé afrodescendente na invisibilidade. Mas a cura existe!
Sim. A cura existe e vem sendo compartilhada por pessoas como o Babalorixa Rodney de Oxóssi, que em um importante ato sacerdotal e político, ultrapassou as barreiras do bairro do Tremembé, na Zona Norte de São Paulo, onde mantém Ilê Obá Ketu Axé Omi Nlá , e na companhia de seus filhos de santo, ocupou a avenida mais famosa do Brasil para um importante ritual, se fazendo respeitar no meio social, que segundo ele é um espaço sagrado para os povos de axé.  




O senhor foi às ruas com um ritual que antecede as festas de Olubaje. O que é esse ritual? Por que fazer nas ruas?
A grande celebração em homenagem a Omolu, mais conhecida como Olubajé, é precedida por uma série de rituais. Um deles é o Sabejé, que consiste em sair às ruas com um balaio ou tabuleiro de pipocas e, em nome de Obaluaiê, pedir contribuições para a realização da festa. Em nossa casa, um mês antes dessa festa, todas as segundas-feiras rezamos para a "Família da Palha" e oferecemos banhos de pipocas aos presentes. No decorrer da semana, filhas e filhos de santo vão às ruas e oferecem um punhado de pipoca em troca de alguma quantia em dinheiro. Nosso saudoso Pai Pérsio   me advertiu certa vez que o Olubajé só pode ser realizado com dinheiro de esmolas. Uma das perguntas que fiz a ele na ocasião foi: "Mas Omolu não é um Orixá tão rico, que mede suas pérolas em cântaros, por que pedir esmolas para fazer sua festa?" E ele me disse: "esse é um gesto de humildade, meu filho. De que vale todo dinheiro do mundo quando não se tem saúde." Em Salvador, é comum ver pessoas descalças cumprindo essa obrigação. Embora haja todo um preceito interno, levar nossa fé para as ruas (que para nós também é um espaço sagrado), a meu ver, empresta ao ritual um sentido de coragem e enfrentamento que dão base ao Candomblé, que é, essencialmente, uma religião de resistência. Contudo, é preciso lembrar que essa resistência ocorre em sociedade, portanto, para buscar fortalecimento é preciso se tornar visível. Esse ritual de Obaluaiê sempre promoveu a visibilidade.

 Por que ocupar o maior centro financeiro do Brasil para pedir contribuição financeira para uma cerimônia religiosa? Foi a primeira vez que estiveram na Paulista para esse ritual?
Cumprir esse ritual na Avenida Paulista, a mais importante do País, foi um ato deliberado. Há anos saímos pelas ruas com nossos balaios de pipocas, mas sempre fomos pelas imediações do terreiro ou no máximo, como no ano passado, à Rua 25 de Março. Com tantos episódios de ódio racial e intolerância religiosa, sobretudo o da menina Kayllane, decidimos fazer desse ritual um ato político de resistência, por isso escolhemos a Paulista.


Em tempos de Inquisição não mais velada, e violência contra as religiões negras, sua ação religiosa é um ato político. Como o senhor mede o impacto dessa iniciativa?
Avaliamos que seja um momento de buscar visibilidade e respeito, mas também de enfrentar possíveis hostilidades. Enfrentamento faz parte da nossa luta. Cumprimos o ritual como de costume: nossas roupas brancas, nossas contas, nossos balaios, mas imprimimos num simples sulfite a frase "mais amor, menos pedras". Isso deu um outro sentido ao ritual, um sentido político. Não poderíamos perder essa oportunidade, aliás, o povo do Axé não pode perder nenhuma oportunidade de transformar seus rituais em atos políticos. Embora toda resistência seja um ato político, é preciso tornar isso explícito. Naquele dia, mais do que nos fazer notar, nos fizemos respeitar.
Como se comportavam as pessoas abordadas pelo seu grupo? Qual foi a experiência mais marcante do dia?
Foi um dia fantástico, com várias situações emblemáticas: pessoas que prontamente colaboraram, outras que queriam saber de que se tratava, muita gente que se revelava adepto, muitos querendo tirar fotos. Dois episódios me marcaram profundamente. No primeiro, uma criança saía de um prédio e quando nos viu seus olhos brilharam e ela gritou: "Olha, mãe, que bonito!", mas a mãe mais que depressa a puxou pra longe de nós. No outro, uma senhora com o filho doente chorou copiosamente ao receber as pipocas e nos emocionou ao falar da fé que tinha em Obaluaiê e de que aquele encontro conosco era um sinal de que o filho seria curado. Ficamos muito emocionados.
A ação na Paulista reverberou de maneira positiva nas redes sociais. Compartilhar essas notícias contribuem para tirar a religiosidade negra da invisibilidade social?
As redes sociais atualmente são um canal indispensável e muito eficaz não só na divulgação, mas principalmente na repercussão de atos políticos como esse. Nossa ação foi muito simples: ao tomar a mais importante avenida do Brasil, fizemos de uma obrigação ritual um ato de resistência, de protesto, de fé e coragem. Nada disso faria sentido sem a postagem no Facebook, que além de tornar o ato público, fez com que reverberasse de forma muito positiva, estimulando outros adeptos e fazendo com que nossa imagem circulasse e fosse vista por milhares de pessoas, que não só curtiram, como comentaram e compartilharam. Como disse anteriormente, foi um ato deliberado, que se completou com a postagem nas redes sociais e com toda repercussão que alcançamos.


Vale dizer que causamos uma grande movimentação na Av. Paulista, inclusive fomos fotografados e filmados por profissionais que lá estavam trabalhando em outras coisas, mas, ao nos verem, fizeram questão de registrar nossa ação. Éramos apenas seis pessoas. Imaginem um grupo maior? Então, minha intenção é organizar nosso terreiro e no próximo ano levar muito mais gente. Mais do que existir, é preciso resistir. Como ensinaram nossos ancestrais: "nossa luta não tem fim!". Axé!


[Créditos de Imagens: Foto I: Baba Rodney de Oxossi em As Águas de São Paulo 2013 - Roger Cipó © Olhar de um Cipó All rights reserved Fotos II, III e IV: Acervo pessoal do Babalorixá.]



                                                                                        

28 de julho de 2015

Esbravejou no Bravun



Bravo no Bravun o Deus Cobra esbraveja seu dom de transformar tudo,
Esbravejou no Bravun todas as suas vontades de estancar o veneno das línguas de maldade. Bravo, e com razão, gritou seu brado com final em guizo
Pra cima do cabra que pensou que o Deus era Cobra cega e que não sentia o ácido das peles mal trocadas, travestidas em maldade em coração esguiçado em crueldade, sem antídoto de fé No Bravun descarrerado, Descravou e serpenteou todo o salão com mãos firmes atentas ao compasso do movimento de quem pensou enganar a Serpente que de tudo se esquiva. Balançou, fingiu não ver, não ouvir, não sentir cheiro Sim fingiu-se de cego e Pulou!
Bote certeiro, Pego pela canela, subiu, envolveu, enrolou-se toda e esmagou a Maldade... Aperto o ser de poucos ossos, que agonizou com motivo até que todo seu veneno de mal querer expelissem pelos poros mais finos e transmutou seu líquidos em lágrimas, suor e lágrimas menos nocivas para que o universo seja olhado com menos olhares falsos, com mais movimentos certeiros e com vida de botes honestos...
E ele esbravejou mais uma vez, saudou as cores do mundo, mirou o horizonte, e no mesmo Bravun ascendeu para o fim do arco-íris.


Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

24 de julho de 2015

Gente Grande é quem me Fez!


Ninguém precisa carregar o mundo nas costas, precisa não...
Há no mundo, muita mais dor que o nosso mundo suporta
Aahh, eu me faço homem bravo,sim!
Me atrevo a bater de frente, sagrando em correntes e gritando Nãos!
Visto-me de tudo que é valentia e parto, com o peito pra cima
Me embrenho nas ruas da vida, não descanso em esquinas e saio a encarar o mundo
Mundo tinhoso que eu tanto escorraço
por que deixastes ser tomado pelos mais sentimentos amargos..?
Mundo meu que me penso fora dele, quando sou todo parte do pecado, do próprio escorraço, e por muitas vezes, eu o Amargo...
Mas passa sábado, passa domingo, segunda, terça, quarta... Na quinta, eu me tomo em postura, e já sinto que não vale tanto o peso que ainda me assusta.
Anoitece em quinta,e eu vou me encontrando comigo
Já consigo lembrar que o peso desse mundo não precisa ser todo meu, não.
Já sei que de homem, só careço do peito aberto pra receber e dar amor. Vou de leve, desacelero e quero mesmo estancar a dor.
Dor de semana doente, mais doente que o mundo demente que me fazia o que for...
Aahh, já passa a noite e meu reflexo reluz eu!
Eu ainda sou aquele que de forte só tem Fé. Mas que seja na pancada pra aprender que é.
Acordo o Eu e repito: Menino eu sou, Ainda sou... E Amanhã serei menino... 


É o que sou!
E se o mundo não me permitir, insistirei em ser
Gente grande é quem me fez
Gente grande é quem me guarda
Gente grande é quem me ama
Eu, com o mundo, não guento não!
Eu devo mesmo ficar quietinho,
Confiar no dono do destino,
Entender que sou menino...
Vou sim, jogo o peso de lado
Não é mesmo o que tenho plantado,
De nós eu me desarmo
Eu sou só o filho dele
Quem manda no mundo é o meu pai
Desço um degrau,
Abaixo mesmo a crista
Sigo de peito aberto - só para acolher e amar
Sem pressa, é como devo ir e não fazer barulho mais
Tá bom, já sei que sou menino,
Mas vai dar certo
Homem do mundo, é meu Pai

Roger Cipó © Olhar de um Cipó 2015 - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

Oxaguiã



Oxaguiã é um orixá guerreiro. Sua maior luta é pela perfeição: de si mesmo, dos outros e das coisas. Odeia a preguiça, que ele considera o inimigo número um da perfeição. Da união de Oxaguiã com Iyemanjá, nasceu Ogum, orixá guerreiro como o pai. Ogum guerreia para destruir o que precisa ser renovado, enquanto Oxaguiã luta para construir o que foi destruído. Neste vai e vem de batalhas, Oxaguiã foi um dia à cidade de Ogum para buscar munição e encontrou o povo em festa. A comemoração era pelo término da construção do novo palácio do rei Ogum. Tudo parecia perfeito. Não para Oxaguiã! Ele bateu sua poderosa espada no palácio, que ruiu imediatamente. O povo ficou irado! “Tanto trabalho jogado fora, por um capricho de Oxaguiã”.

O pai de Ogum então falou: “O rei de vocês está em guerra e não voltará tão cedo. Por que entregar este palácio para ele, quando um muito melhor pode ser construído?”. Passado um tempo, Oxaguiã retornou à cidade e encontrou o palácio reconstruído. Entretanto, tudo se repetiu: O pai de Ogum destruiu o novo palácio e ordenou que o povo construísse outro, ainda mais perfeito.

Aconteceu que o dia da volta de Ogum se aproximava, só restando para Oxaguiã contentar-se com o último palácio construído, que para todos estava mais do que perfeito. De tanto reconstruírem o palácio, os moradores daquela cidade passaram a ser conhecidos como “os construtores quase perfeitos”. O povo não gostou daquele “quase” e ousou reclamar com a divindade. Oxaguiã disse: “A perfeição é como uma donzela arisca, ela se compraz em ser buscada, mas nunca permite ser encontrada e muito menos ser cultuada”.

Esse itan (estória narrada de geração para geração) fala sobre a importância da busca pela perfeição. Outro dia ouvi o seguinte comunicado: “Não basta fazer, é preciso fazer com amor”. Eu completo esse lindo comunicado, dizendo: Não basta fazer, é preciso fazer com amor, mas fazer bem feito. E ninguém faz nada bem feito se não tiver tempo. Se a preguiça é o inimigo número um da perfeição, a falta de eficiência para lidar com o tempo é o número dois. É por isso que se diz: “Quem tem tempo faz a colher e borda o cabo”.



Quem tem tempo faz arte. E a arte é uma das importantes formas de aproximação com o sagrado. Não é preciso ser artista para se fazer arte, é preciso apenas se tentar fazer as coisas da melhor maneira possível. Tanto nas coisas mais simples, como nas mais complexas; tanto nos assuntos sociais, quanto nos assuntos religiosos.
Lavar os pratos e estar atento para não deixar na pia nem um grão de arroz, de modo que a harmonia e pureza externas ajudem a harmonizar o interior de quem penetre naquele recinto, é arte. Quem me ouve ou lê o que escrevo está acostumado a ouvir a frase “estou sempre correndo atrás da perfeição”. Acontece que quanto mais eu corro atrás da perfeição, mais parece que a perfeição corre de mim. É como um gostoso jogo de “picula”, onde não tem vencido nem vencedor. E a graça consiste exatamente nisso: tentar, incansavelmente, domar essa virgem rebelde. Sim, acredito ser realmente virgem, a perfeição.

Não conheci ninguém que conseguiu casar-se com ela, apesar de não lhe faltar pretendentes. Entretanto, todos nós gostamos de crer que existem pessoas perfeitas. Gostamos de criar ídolos. Um grande risco, tanto para quem idolatra, quanto para quem é idolatrado. Parece que precisamos de ídolos para seguirmos, como se a “perfeição” (ou o axé) do outro pudesse ser por nós absorvida.

O caminho para a perfeição não é reto, ele é cheio de saliências e reentrâncias. É um caminho individual, como individual é o encontro que cada um tem com sua própria forma de construir e reconstruir seus palácios, sejam eles de areia ou de cristal. A perfeição, como o próprio nome indica, é um movimento em direção a: alguma coisa, algum lugar, alguém… Aperfeiçoar-se é simplesmente manter-se em movimento; é buscar sempre o que lhe parece faltar a cada dia, a cada momento. E é Oxaguiã o orixá que nos auxilia a manter acesa essa chama. É Oxaguiã o orixá que estimula o progresso.

Maria Stella de Azevedo Santos (Mãe Stella de Oxóssi)
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá.
Quinzenalmente, seus artigos são publicados em A TARDE, sempre às quartas-feiras.

[Fotos: "Run de Oxaguiã" - Ile d'Osala - Queimados/RJ e Ile Asé Odé T'Olá - Juquitiba,SP. - Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]

23 de julho de 2015

Preto no Branco que Colore o Coração (Iya Branca de G'unté)


Faço questão de compartilhar esse lindo pensamento de minha mãe, que hoje, ao comentar o novo set fotográfico (Clique para ver) Cotidiano de Axé em Preto e Branco na Olhar de um Cipó, me tomou de emoções. Benção, Mãe! 

"O preto no branco colore meu coração de emoção.
 Sou Mulher de Fé, quando vejo essas fotos viajo nos pensamentos e transformo em palavras o que Esu faz de melhor a alegria de ser lembrado.
Orunmila me deu familia; Yemonja abençoou meu Ori; Osun me deu crianças; Ogun certeza; Omolu deu terra firme e Sango bons amigos. Ossaniyn me deu com seu verde a esperança, Odé me presenteou com o foco; Nana com o silencio me ensinou a ninar meus medos. Oyá essa sim, me mostrou que preciso ter sempre cabeça erguida, como toda a mulher deve ter; Logun ede que sutileza me mostrou a articulação das palavras.
Vocês nem imaginam o que Osumare teve de trabalho comigo me mostrando que a língua era venenosa; Iyewa me ensinou que a gente pode se misturar; e com Iroko aprendi que as estações passam e a gente sobrevive.

Só posso finalizar com a Paz e serenidade de Osaala, que por inumeras vezes me acalmou quando com lagrimas nos olhos me senti perdida e me disse que esperar era preciso.
Convido a todos a aprender com a Fé."

Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
 

Sassayin



Quem quer folha, precisa cantar
Cantar para agradar a Natureza
Cantar para chamar o Senhor dos Mistérios da Mata
E toma cuidado para não Matar a Folha

Quem quer folha, tem que pagar
Pagar com fé e seus búzios reais
Paga em rezas
Pagar com cânticos e pede... 

Mais que pedir, saber pedir e encantar
Para que o Senhor do Encanto, encante como manda seu coração
E Ela, a Natureza que tudo transmuta,
Natureza Mãe que gesta a folha e raiz, 
Mãe que permitirá que Ele te atenda
Permitirá macerar seus sonhos e pedidos que germinarão milagres
Irá macerar seus desejos, pensamentos que Ele devolverá em essência de folha. 

Por isso, seu moço 
Cuidado!
Pague com cuidado, 
E se não quiser... 
Se não quiser pagar pecado
Não ouse cantar Errado!
Entenda bem o recado 
Na Natureza 
Nunca peça folha de Coração Zangado.
Foto e Texto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
 


21 de julho de 2015

Sobre se Afastar da gênese, criar um Candomblé de Superfície, Ter um Candomblé Neopentecostal e Criar um Novo Culto - "Ego"-mblé


 (Por Sidnei Barreto Nogueira)

E NOS AFASTAMOS DA GÊNESE E CRIAMOS UM CANDOMBLÉ DE SUPERFÍCIE (PORQUE PRECISAMOS VENDER O PRODUTO) E TEMOS UM CANDOMBLÉ NEOPENTECOSTAL E CRIAMOS UM NOVO CULTO - “EGO”-MBLÉ

Assusta-me ver os rumos de uma religião ancestral de origem africana forjada para nos conduzir a uma África, talvez, muito talvez, que nem exista mais ou a qual teremos que nos esforçar muito para manter viva.
Sempre considerei, desde meus tempos de abiyan – aquele que nasceu pela “conta”, o Candomblé como um grande presente dos Orixás – naquele tempo não havia OriSa com “s”, nem se falava em Eledunmare e em Orunmila, nem tínhamos os caminhos de Orixá usados como grife, nem tinham inventado a inexistente unidade lexical “TY – ao Brasil e aos brasileiros. 


Um presente caro, é verdade, pago com a escravidão de seres humanos espoliados de sua Terra e escravizados no Brasil, longe de tudo que mais amavam. Mesmo assim um presente, uma dádiva paga com sangue, suor e lágrimas.
E hoje o que vemos? Vemos um excesso de “TY” – TY FULANO; TY BELTRANO; TY ISSO, TY AQUILO – aviso aos navegantes e àqueles que fazem tudo por “osmose” – JOGA NO GOOGLE QUE ELE EXPLICA O QUE É, MAS PRECISARÃO DE UM TANTINHO DE COMPREENSÃO DE TEXTO. Vemos que esta suposta preposição do contínuo linguístico iorubá nem existe; Mas, na tentativa de preenchermos os buracos deixados pelo ocidente e cultivados pelo imediatismo e consumismo, vale tudo; inclusive o pagamento exorbitante para a compra de algo que precisa apenas ser liberado internamente, algo ao qual precisamos nos (re-)conectar – um eu-natureza-África-ancestral e o apagamento dos Èsá da África Ancestral no Brasil. 


Tenho a impressão e/ou a certeza que o Candomblé, de algum modo, também fora contaminado, paradoxalmente, pela Teologia da Prosperidade.
“Meus filhos todos trabalham” aclama um suposto “pai de santinho”; “Meus filhos todos têm carros (de preferência importados)” aclama uma determinada Iyalorixá; “Tenho uma filha médica” divulga como prêmio a carreira da filha uma Mãe TY Joana D’Arc; “As indumentárias dos Orixá desta casa são feitas com a grife “tal”, grita mais um incauto e “aqui colocamos – na superfície - tudo o que Orixá merece” – um outro Pai Pedro “TY” COISA grita orgulhoso da sua capacidade de compra.
Mas quem disse que são os nossos olhos doentes que devem determinar o que o Orixá merece ou precisa? 



Engraçado, pensara eu que os Zeladores de Orixá deveriam ser guardiões de algo imaterial – saberes ancestrais, ritos, palavras, cantos, rezas, poder das folhas, gestos sagrados e organização ritual, cores, signos, significados e, sobretudo, metáforas ao nosso duplo no Orun e a toda a nossa ancestralidade; nunca pensei que os tesouros deveriam ser matérias e matérias.
Não seria o objetivo maior do Candomblé, (des-)fazer o que parece ser verdade, (des-)construir o que parece ter sido apropriadamente e estrategicamente construído pelos opressores, (des-)contaminar das doenças às quais nos acostumamos e para as quais tomamos gotas diárias de entorpecentes (precisamos comprá-las), libertar o indivíduo das amarras do seu próprio ego e de desejos que, em verdade, não são seus e trazer os “seus”; aproximá-lo da “sua” verdade e deixar a bagagem mais leve, e livrá-lo das culpas e medos cristãos; livrá-lo da necessidade da blindagem-produto que nos assola e, sobretudo, fortalecê-lo para que seja um indivíduo capaz de assumir as suas crenças, valores e capaz de assumir um “querer-ser” para ser inteiro e feliz e não um “parecer-ser” para ser aceito? 


E instaura-se o paradoxo do Candomblé Ostentação ou do “EGO”-mblé; porque como conseguir a suposta morte e renascimento utilizando-se das ferramentas do opressor; dos medos do opressor; das vestes do algoz e das fantasias e ilusões criadas pela materialidade daquilo que o senso-comum e as leis mercadológicas valorizam?
Não sei quando, mas teremos que acordar para a opressão que, sorrateiramente, infiltrou-se em nossas casas e, sorrateiramente também, torna o Candomblé lugar de controle, opressão e exclusão por meio da necessidade da farsa em detrimento da verdade, por meio da superfície em detrimento da essência, por meio do barulho em detrimento do silêncio e tudo em nome das leis de mercado.


Acordemos!


[Fotos: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]



O Orixá Serpente


"Arroboboi..." - A mais velha gritou
E antes que a sede desse nó na garganta
Fios de Água da Cobra tocavam o chão
Em sede, Como ímã,
Aquela pequena poça atraia cabeças
Da Mãe, ao menino de Kele
Do aburó, à Egbomi
Do Ogã, ao visitante...
Era a força dele que chegava para o xirê
Era o transmutável que vive bem no solo e na mata
Caça no calor e dança nos Rios
Força arisca e sabida
Fonte dos botes sensíveis e milimetricamente transformadores
Transmutação das Energias do encantamento
Não dos possíveis potes de ouro ao final de seu arco,
Mas de toda a magia que domina sua íris quando se enrosca no mundo
E faz chover Asé.

[Foto e Texto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]

20 de julho de 2015

Sobre Palavras que Educam ou Matam a Alma


Sobre Palavras que Educam ou Matam a Alma 

Eu sou Devoto da Educação que Ama
Desacredito em efeitos positivos quando a educação é imposta e muito mais desacredito quando há opressão por qualquer que seja o objetivo. 
Os meus olhos brilham mesmo quando vejo crianças no candomblé.
O coração chega explodir em felicidades quando as vejo bem tratadas, bem acolhidas e respeitadas. 
Desconheço educação eficiente que não tenha o Amor como essência
Ainda não vi fruto que prospere se um dia foi mal semeado. 

Por serem sementes lindas, comparo as crianças (mas vale aos jovens, adultos, e todos os outros seres que compartilham dos espaços com a gente) a uma história que conheci assistindo o filme "Como Estrelas na Terra - Toda Criança é Especial", que em uma cena emocionante, fala que as árvores das Ilhas Salomão, no centro-oeste da Oceania, como divindades sagradas - não acredito só em coincidência quando para nós, descendentes das culturas africanas, as árvores são moradas da ancestralidade.

Diferente dos cultos afro-diaspóricos, os Nativos da tal Salomão não cultuam as árvores. Mas se o sustento provém da plantação de palmito, eles nunca cortam a árvore de pamito com vida. 
O que fazem  é se reunirem durante trinta e três dias seguidos, pela manhã, no meio dia e ao entardecer, em torno da árvore que se objetiva retirá-la, e três vezes ao dia, reunidos, gritam. Sim! Gritam xingamentos, desmerecimentos, agressões verbais. Seguidos os trinta e três dias, a árvore seca e morre. 
Morre “sozinha” e então é só arrancá-la. 
Segundo os nativos, os gritos de desmerecimento matam o espírito da árvore, o que eles chamam de Leshy - animal da mitologia Eslava, que protege animais e moradores das florestas.

Por que fui longe para comparar nossas crianças com as árvores do Centro-Oeste da Oceania? 
Fui para enfatizar o quão nociva podem ser nossas palavras, pois são fontes inesgotáveis de poderes - para o bem e para o mal. 

Com palavras, e possível construir e destruir na mesma intensidade. E embora as crianças aprendam muito com exemplos, as palavras tem forças e por isso precisam, sempre serem bem escolhidas. 

É fácil entender a tristeza que toma uma árvore quando passa mais de um mês ouvindo insultos e as palavras mais feias. É uma sentença de morte exata.
Mas é lindo também ver como floresce alguém quando bem cuidado, bem elogiado, bem conduzido e acolhido. 
Coisas que são distintas de mimar ou favorecimento. É puro cuidado, amor declarado em palavras de acolhimento e que são vitaminas importantes para a vida. 

Lenda ou não, tudo o que eu tento dizer é que, graças a Deus, não precisamos matar nossas árvores. Muito menos nossas crianças sementes. 
Podemos e devemos aproveitar essa energia de boas palavras para espalhar amor e fortificar todas as raízes que nos conectam, sejam nas relações de educação, ou nas relações de cooperação, afetividade, e respeito. 

Assim,  sugiro que hoje, amanhã e todas as vezes que precisar usar palavras, com as crianças, e com todo aquele a quem você ama, pense se precisa matar a árvore ou se quer colaborar para que seja forte e de bons frutos e raiz firme. 


Texto inspirado em cena do filme "Como Estrelas na Terra - Toda Criança é Especial", de nome original indianao "Taare Zameen Par" (2007), com fragmentos de outras referências da internet
Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

A Mãe que Acorda o Dia e a Vida


Meu sono profundo, quase pesado, mas ouço o chamado... 
Lá longe, bem longe, antes do sol raiar, minha Mãe já está de pé 
Em silêncio, ela saúda a terra, 
Em silêncio, ela agradecer por nós, 
Em silêncio,ela pede permissão ao céu...
Em silêncio, ela acorda o dia
Tímido, o sol estancam-se no horizonte, reluz
Reluz e se alegra quando ouve o chamado de Mãe 
Alegre, ele lança raios lindos em direção aos meus olhos, aquece meu corpo, 
energiza meu ser e me desperta para o mundo
Eu chego mais tímido ainda, e chego leve
Bem cuidado, a água fria me desperta mais um pouco 
As folhas lavam meu corpo 
As folhas limpam-me a alma 
As folhas me fazem novo
Mãe, quase sussurrando, canta para eu acordar
Canta para mim, canta para a terra, canta para o dia 
As mãos firmadas de veias que saltam a pele como se desenhassem os caminhos trilhados
Mãos de quem faz histórias 
Mãos de quem moldou bem vidas...
As abençoadas mãos de Mãe seguem ritmando o som sagrado 
Aquele som que me busca em sono, que faz levantar o dia
Som simples de sensível segredos, chega em meu coração 
E de coração em coração, chama quem manda no meu Amor 
Atravessa o vento, o tempo e os mundos, 
Atravessa as vidas, e avisa meus orixás que há nesse tempo que precise de seu afeto
Feliz e pulsando em fé,
Mãe, com suas mãos que contam todas as histórias, 
Que preparam corpos,
Que cuidam de vidas, 
Que acariciam os nossos rostos, 
Todos os dias, 
Acorda antes que o mundo acorde
Para que o dia esteja pronto para receber cada um de seus filhos, 
Todos os dias...
Todos os dias que ela canta a terra, a água, o ar, o fogo, a vida, o dia.

Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

16 de julho de 2015

Educação e o Futuro do Terreiro

Devemos ser responsáveis ao conduzir a Vida Religiosa das Crianças.
Tudo que elas e eles farão, no futuro, será reproduzir aquilo que a educação ensinou, isso quer dizer que:
Se receberam Amor, Amor darão;
Se foram Bem acolhidos, Bem Acolherão;
Se foram ouvidos, saberão Ouvir; ...

E se lhes ensinaram que a base do culto ao Orisa é seguir a Verdade, com Humildade, serão sacerdotes Dignos e Honrados em levar o nome de seus Antepassados, por todos os lugares que passarem.

Nosso tempo é Agora. Até podemos errar, mas as oportunidades de acertar serão pouquíssimas. Por que não tentar acertar, sendo melhor para as crianças, seres de lindos, que nos dão o direitos de preenchemos seus corações daquilo que acreditamos, e que dependem de nossas decisões?

Estamos esperando o quê para mudarmos, pelo Futuro da nossa religião?

Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

Há um Odé em Mim




 
Orixás Caçadores são as forças - ou estado da energia, responsáveis por impulsionar-nos a caçar o que nos é de necessidade.

Em algum momento da vida, essa força te fará um caçador. Seja o caçador arisco que entra na mata levando tudo nos peitos e apanha a caça na força; seja o caçador ardiloso que calculará milimetricamente a distancia de sua presa (objetivo) e usará da inteligência para não precisar deferir golpes bruscos; seja o caçador persistente que não volta para a aldeia sem que esteja levando sua caça - e isso pode demorar um dia, uma noite, semana, meses e até anos... O Caçador não te fará desistir de quem você é e nem do que quer ser.

Sim, todos nós temos uma força vital que, uma hora nos ensinará a Caçar o alimento, o Sentimento, e o Amor. Porque os Odés querem que nós cacemos - Caçar para não ser Caça... Como foi assim, O Caçador que há em mim, me ensinou:




Em largos passos, Ele alcançou sua caça, e me pediu...
Pediu que eu caçasse um meio termo para andar na linha
Mandou que eu caçasse um jeito de buscar, direito, o que caço
Ordenou que eu nunca fosse caça
Me ofereceu a arma de caçador, e lá vou eu
Caçar um jeito de ser Feliz...


Texto e Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

 

15 de julho de 2015

A Intolerância Religiosa que nos Tira a Paz

 

Hoje cedo, eu sorri quando vi a foto de perfil da querida amiga Nega Duda - resultado do ensaio que fotografei,  em 2014,  para divulgação de seus lindos trabalhos de promoção e difusão da cultura do samba de roda, no Brasil. 
Sorri porque a foto colorida seguia de poucas palavras de agradecimento - coisa linda vinda de uma mulher de história linda de superação constante. Nega Duda é a irmã que ganhei da vida e que não teve vida fácil e com muita dificuldade vem tentando facilitar as coisas, na terra da Garoa, há quilômetros de distância e saudades de sua família. A verdade é que toda vez que olho Nega Duda nos olhos, a esperança se estanca e o orgulho sorri por facilitar as nossas vidas com seu lindo exemplo.

Um dia, li que onde há muita luz, sempre há muita sombra e deve ser por isso que insistem em roubar nossa paz, desde sempre... Foram poucos minutos de contemplação  ao amor em gratidão estampado na foto da Nega Duda, e que me deparei com a notícia que me arrancou a Paz do peito:"Terreiro de Pai Antunes é queimado, em Campina Grande" - nota em caixa alta, seguida da foto do terreiro em chamas... Chamas essas que queimaram-me por inteiro, ao ponto de explodir em mim um vulcão de repulsa pela crueldade nascida da ignorância humana.  Sim, a minha vontade era sair botando fogo em tudo mesmo... Esquecer, por um minuto de tudo que é certo ou errado, porque para eles o certo não existe do nosso lado e por isso, precisam queimar o que há de melhor em nossos coração. Dói!

Dói porque a Intolerância Religiosa protagoniza violentos ataques terroristas e todo mundo finge não ver.
A impunidade destila veneno pelas ruas, atravessa a madrugada com suas garrafas de coquetéis molotovs para fazerem imperar a inquisição descarada e fundamentalista desse País. Onde vamos parar? Eu não sei mais...

Como não conseguem respeitar uma religião formada por pessoas como Nega Duda que deixou sua família na Bahia para difundir as coisas mais lindas de sua cultura e assim mudar a cara da cidade cinzenta? Como não se respeita a religião que dá base para os sambas mais lindos cantados pela voz rouca herdada de ancestralidade real que gente como Nega Duda luta tanto para defender, acolhendo todo aquele e toda aquela que se encantar pelas belezas desse universo?

Pergunto mesmo como o racismo pode cegar essa gente ao ponto de não enxergarem que o Amor vive no olhar de quem tem Orixá como filosofia de vida e posição no mundo?
Eu me pergunto o dia inteiro, e se hoje eu falo de Nega Duda, é porque a sua imagem ficou na minha cabeça e a todo instante conflitava com a foto do terreiro em chamas, além de todas as outras imagens do filme que criei na mente para sentir o quão doloroso é ter a sua vida destruída por motivos tão torpes como o "achar que o deus diferente é a maldição do mundo"... Que Mundo vivemos?

Quero dizer: Que mundo vocês vivem?
Porque pessoas como Nega Duda e Eu, que vivemos a filosofia do Amor e Cuidado do Orixá em nossas dias, vivemos em um mundo onde o que importa mesmo é acolher o bem querer, é incentivas o Amor ao Mundo, é difundir que o essencial mesmo é tornar a nossa presença mais leve no mundo. Mundo esse que a Intolerância insistem em tornar pesado, difícil e cruel.
Eu quero mesmo que a gente se permita viver em respeito - Não é Utopia! 

É o que deve ser! É o mínimo que podemos fazer, por nós, pelo outro... Pelo Mundo que não se permite mais sentir o cheiro das flores e só as buscam para arrancar seus espinhos na intenção de torná-los armas de ferir a Paz do Diferente.
 
[Foto do Ensaio: Nega Duda por Olhar de um Cipó - Fotos: Roger Cipó - Make up por Ariane Molina - Produção: Nega Duda - © Todos os Direitos Reservados para Olhar de um Cipó]

14 de julho de 2015

Sobre caçar Borboletas e medir Axé e Selfies


Não. Eu não tenho problema algum em falar dos problemas que o Candomblé enfrenta. Não tenho e acho que não deveríamos ter. Acho até que se falássemos mais, instigaríamos mudanças que já passaram da hora de acontecer. 
Eu até tentei não comentar sobre as fantasias de um artista muito bem seguido (e agora "perseguido") pelo povo de Santo. Tentei não comentar, mas sempre pensei sobre os temas abordados com muita veemência. 

O meu não gostar do trabalho onde Odé Caça Borboletas tem a ver com dois pontos: 1- Meu Não gosto pela estética onde os Orixás ostentam megas torços coloridos psicodélicamente. E 2- por ser da opinião que por mais que nós jovens estudemos, busquemos e nos aventuremos na literatura produzida com os contos, parábolas, rezas e receitas do culto a orixá, não teremos tanta propriedade para falar do tema, como nossos mais velhos tem e sempre terão. 
Sim, eu sou do tipo que tenta ler muito, mas que prefere ouvir muito o mais velho. 
Não me aventura a recontar - muito menos, criar - Itans porque sei que a minha pouca idade não me dá a propriedade adquirida ao longo da vida sacerdotal de um Agbá. 
Logo, lugar de gente nova, é sentado de ouvidos abertos, e a boca mais fechada possível. 

Concordo que a informação e conhecimento estão aí para todo mundo, que a internet nos ajuda a aprender e ensinar (todo mundo quer ser professor, né?), mas tratando-se de uma tradição de ensinamento oral, como me permito acreditar cegamente em tudo que me brilha os olhos na internet e descredito o que me foi ensinado em casa a partir dos anos de vivência da minha comunidade? 

Tudo bem, até entendo que há sim uma carência tremenda do povo de santo que não tem suas expectativas sanadas a curto prazo. Acontece que candomblé é um filosofia de vida e o conhecimento deve caminhar junto com a sabedoria. A sabedoria só chega com o tempo e ela que te segurará, por exemplo, quando você acordar com vontade de criar um Caçador que se embrenha nas matas atrás de Borboletas. 

Embora eu seja um grande defensor do registro fotográfico e filmado das experiências, cerimônias e cotidiano do candomblé, ainda não consigo entender o poder que as selfies tem dentro dos momentos religiosos. 

Não preciso ir longe para lembrar o episódio da Selfie no Velório - com caixão, defunto e tudo -de um sacerdote de candomblé. 
Quando vi a imagem, minha vontade era mesmo quebrar meu celular, por mais que eu sentisse falta das minhas tantas selfies que tem lá. Sim, eu uso o celular para selfies, é normal, né? 
Só não é tão normal quando se interrompe a dança sagrada do Orixá para garantir uma foto; Não é normal e é um tanto estranho optar por selfies em momentos e espaços que deveríamos trocar as câmeras de smarthphones por posturas educadamente sérias para lutar contra as inúmeras agressões sofridas pelo povo de santo, dia após dia. 

A Representatividade deu espaço à Representação (de representar personagens, Sim!) tornou-se cultura de que é preciso da selfie em todo lugar, ou melhor, é preciso estar nos lugares para garantir a tal selfie e assim vender o peixe, o Axé. 
Não basta mais só promover as luxuosas festas, consultas e tabelas de preços para momentos esotéricos, é preciso brilhar os olhos, seja com cores pscodélicas ou com selfies - palavra chata que até eu cansei de repetir, rs rs.

O maior perigo disso é que tem muita gente de bem comprando sorrisos bonitos de picaretagem travestidas de Sagrado. Isso sim é um problema grande. Da mesma maneira que, pode sim, aparecer alguém dançando com um pote e vidro na mão, justificando ser ferramenta do Senhor da tal Borboleta, já vendida como fundamento. 

Preciso dizer que, infelizmente, estamos em um caminho perigoso. Pensamos que não, mas há muitos que nos olham e conseguem perceber o que, de fato tem verdade, ou não - Isso me alivia. Alivia, mas não tira a nossa responsabilidade de arrumar a casa que tá bagunçada. Cabe a nós falarmos das nossas alegrias e tristezas, cabe a nós falarmos o que anda certo e o que não anda tão certo, para a religião não se perder mais. 

Por outro lado, e para terminar, preciso dizer também que acabamos por fazer bem a aula de idiomas, adotamos o sentido real da palavra, que pode ser definido como: "si mesmo", e colocamos em prática um contra-axé tão antigo quanto a história da religião - Olha ai, o velho Egocentrismo do Candomblé, agora vem em imagem e palavra (Self)... É verdade, estamos cada vez mais chiques e distantes, né? 

Foto e Texto: 
 Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]