29 de setembro de 2015

Mãe Edelzuíta de Oxaguian explica As Águas de São Paulo




No próximo dia 03 de Outubro, acontecerá a 9ª edição de As Águas de São Paulo, um importante movimento sócio religioso pela Liberdade de Expressão da Fé e Cultura de Paz, no combate à Intolerância Religiosa, Racismo e todas as manifestações discriminatórias. 

No auge dos seus 71 anos de iniciação no Candomblé, e uma jovial força para lutar pelos direitos do Povo de Axé, Mãe Edelzuíta de Oxaguian - quarta filha mais velha de Mãe Menininha do Gantois, precursora da Raiz Gantois no Rio de Janeiro (onde fundou o ILÈ OBÁ N'LÁ, em 1944), e idealizadora do Movimento As Águas de São Paulo cedeu uma importante entrevista ao Babalorixá Ofanire - atual Presidente do movimento, em seu programa de rádio web Candomblé Total. 

Leia a entrevista:


Como surgiu a ideia de criar As Águas de São Paulo?

As Águas de São Paulo faz parte da lei municipal do Dia Municipal das Religiões de Matriz Africana: Umbanda, Candomblé e seus segmentos, festejada todo dia 30 de setembro. Sobre a lei, já me perguntaram por que 30 de setembro? Porque é o mês em que está se colhendo inhame na África, o período quando se faz as águas de Oxalá no Ilê Axé Opô Afonjá, no Engenho Velho e no Gantois, e também porque é quando se inicia a primavera. Então, achei que 30 de setembro seria uma boa data por isso e também por ser dia de São Gerônimo, que não é Xangô mas é sincretizado com ele. E Xangô é a força da nossa tradição.
No Rio de Janeiro, onde resido e tenho a minha casa de Candomblé, foi onde idealizei esse projeto. Resolvi aproveitar a oportunidade para espalhar a ideia pelo Brasil, quando decidi trazê-la para São Paulo, para que fosse como uma lavagem do Nosso Senhor do Bonfim, que acontece na Bahia. As Águas de São Paulo não é a lavagem do Bonfim, mas o enredo é o mesmo: o povo vestido de branco, com sua jarra e flores e água de cheiro para banhar a estátua da Mãe Preta, que é o símbolo da consciência negra na cidade.

Há planos de levar esse movimento para outros locais do país?

No Rio de Janeiro também comemoramos a data, na Assembleia Legislativa do Rio Janeiro, quando vou com a minha quartinha e água perfumada e jogo na escadaria do local. Em Brasília também temos um projeto em andamento. Mas a minha intenção é que o 30 de setembro atinja todo território nacional e passe a se chamar As Águas Sagradas do Brasil, pois onde não há água, não há vida.


A senhora acompanha a coordenação do movimento?

A ideia foi minha, mas passei o comando para as mãos do meu filho de santo Beto (Babalorixá Ofanire), pois não posso estar presente o tanto quanto gostaria. E acho que ele é a pessoa mais indicada para cuidar do movimento. Então, olhem As Águas de São Paulo com carinho, pois não é Beto, não é a Dona Edelzuita, mas a nossa religiosidade que está em defesa.

Qual o principal objetivo d’As Águas de São Paulo?

Nós não trabalhamos contra a intolerância religiosa, mas pela defesa da religiosidade e da cultura de paz, da compreensão e do amor. E o que eu mais quero é que o povo que habita a cidade de São Paulo, principalmente aqueles que são da tradição do orixá - seja da Umbanda, da Quimbanda, do Omoloco, entre outras, e até mesmo das escolas de samba e dos afoxés, que têm seus enredos baseados no Candomblé, sinta a responsabilidade que pesa no ombro de cada um e se faça presente no movimento.



O que falta para que as pessoas realmente se envolvam e participem cada vez mais do movimento?

Foram muitos anos de luta para conseguir sancionar a Lei Municipal 14.619/07, de autoria do Vereador Wadih Mutran, e isso deve ser levado em consideração. Mas a palavra é conscientização: pelo tamanho da nossa luta e por todas as dificuldades. Temos que seguir acreditando na cultura de paz, na união dos povos e batalhando pelo respeito. E por isso convoco a todos para estarem presentes na Câmara Municipal de São Paulo, no dia 30 de setembro, e no nosso ato público, no dia 3 de outubro, no Vale do Anhangabaú. Eu estarei lá também e quero um mar de branco no Vale, porque só juntos somos fortes.
Não façam política, não façam guerra, façam a paz e participem. Lutem pelo engrandecimento da nossa religião. 
As Águas de São Paulo é sua, então a abrace com carinho, dedicação e amor. 


Transcrição da entrevista veiculada no site http://www.sensorialfm.com.br/ em setembro de 2015 
Fotos: As Águas de São Paulo (2014, 2013, 2014) - Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

26 de setembro de 2015

Erê na mira do Alibã - A Polícia que Mata Criança


Lembro que a primeira vez que tive contato com um Erê fiquei curioso pra entender o porque aquela tão alegre energia temia o Alibã (como eles chamavam os policiais). Hoje, consigo entender melhor o porquê de tanto pavor. Como não sentir medo de alguém que mata crianças? 
Esse texto é um olhar para os tantos Erês que vivem na mira de extermínio da polícia brasileira. 27 de Setembro celebramos Cosme e Damião, os Erês, Vunjis e a dupla Ibeji, do Candomblé. O meu pedido à essas energias é um só: ajudem nossas crianças a enganarem Iku, porque tem muitos deles que não conseguirão chegar até o terreiro da esquina para comer doce, nos próximos finais de semana.

Lá se vai o protegido pelos gêmeos, lá se vai Erê pra viver. É que sua essência é brincar, e a felicidade o faz doce de ser.
Lá se vai Erê que não tem playground, não tem quintal grande pra o conter. Seu parque é a rua de asfalto esburacado, sua vida se faz verdade nas ladeiras do morro e seu maracanã é o plano terrão desnivelado, no coração da quebrada.

- Mas antes de ir pra rua, trate de comer, seu menino!
- Sim senhora, Dasmãe.

E ele come, todo afobado pra não perder tempo de brincar. Come quase que sem respirar, e ainda de boca cheia, entorna o copo de tang laranja. De sorriso travesso, limpa  boca no pano de mesa, sem que dasmãe veja. Grita pra tomar a bençã e sai feito foguete, pela porta da frente.

 - Eita menino, viu!? Vai com cuidado e que Oxum te proteja nessas rua. 

Dois passos de menino cruzados pelo portão de madeira e o coração chama  Dasmãe para conversar. O coração é jeitoso e dá uma apertadinha quando quer falar. Entre um tremido gole d´água e outro, corre uma lágrima no rosto que treme por inteiro. Bem lá no fundo, quando a mãe de puro amor pedia para Oxum proteger seu menino nas brincadeiras, ela dizia também que o amava demais. Parece até mentira, mas na correria do dia a dia, ela que saia cedo pra faxinar e só voltava no fim da novela das nove, quase nunca tinha tempo pra contar para o menino o quanto era grande seu amor pela doçura de Erê que só veio ao mundo depois de muita reza para a Dona das Águas Douradas.
É esse tipo de Amor que vive em nossos lugares. Amores vistos nas entrelinhas, mas nunca com espaço para gritar em vozes, porque o tempo é inimigo de quem não nasceu com vida fácil, e precisa ralar muito. Uma vez ou outra, quando a bateria de erê desligava no sofá da sala que Dasmãe o tomava no colo e ao acariciar o garoto quase homem, sussurava um Te amo no ouvido do menino que não ouvia, mas sentia no acolher de um singelo sorriso adormecido.

Do outro lado da vida, lá no pé do asfalto, o calor queimava os neurônios prensados na boina preta do Alibã. Protegido por toda sua arrogância e habeas corpus de justiça imperada na ponta de fuzil, transpirava a obscuridade entorpecida pela obrigação de cumprir ordem. A A Adrenalina em ânsia, o secava a garganta e ele só sabia salivar féu ao olhar para o alto e nada enxergava, além de alvos em contraste com a luz do sol.
Ali estava o medo em essência, e o medo covarde subia os caminhos pelas beiradas. Quem o via, corria, se escondia, pois sabia que ele nunca foi segurança. E a vida correu...

A vida corria em alegria, sem notar que Alibã subia. O que Erê queria?
Erê corria para tornar realidade a brincadeira. Descalços e sem camisa, livre como gostava de ser, Erê corria as vielas para chegar até a vendinha e comprar de vez a nova bolinha de ping-pong, que há dias esperava para ter. Ping... Pong... Ping... Pong... Pow! O menino não chegou.



Foi um Pow, sem pong,  sem ping. A doçura pingou de uma vez só no asfalto quente. Pingou como gota de felicidade agora despedaçada e sem vida. Pow! Explodiu a dor de vez no coração de Dasmãe que entendera o recado e correu em direção do seu menino que só era alegria no mundo cão.
Nesse mundo cão onde a bala de fuzil tem direção certa, o menino protegido pelos gêmeos não conseguiu desviar, porque sua pele negra o fazia alvo.

Protegido sim por Oxum, por Iemanjá e pelos Gêmeos, atravessou o mundo brincando, mas antes da hora - E quem sabe  a hora certa? Olorun sabe, mas o Alibã acha que que suas balas são os ponteiro de relógio e acerta quando e quem quiser, no país onde a impunidade extermina suas vidas mais importantes. O que esperar de uma nação que institucionalmente assassina suas crianças que só fazem brincar de ser feliz?




E lá vai Erê, agora acariciado no colo de Oyá, Príncipe como sempre foi, cortejado por todos os Orixás para se juntar aos seus outros irmãos e irmãs da patota de Cosme, Damião, Doum, Crispim, e a Ibejada tão doce quanto o amor de Dasmãe que ficara desamparada no mundo cão, mas que passa a ser cuidada em todos os dias por seu menino que poucas vezes ouviu seu Te Amo, mas que a partir de agora, a ouve sem dormir. Ele vai cuidar de sua mãe e vai brincar de ser criança somente para proteger todas as outras crianças que, dia após dia, tem trabalho para enganar Iku que habita a alma cruel do Alibã. 

[Para Herinaldo Vinicius de Santana, de 11 anos, morto após ser baleado na comunidade Parque Alegria, no Complexo do Caju, nesta quarta-feira (23/09).]

*Foto 1: Roger Cipó - Olhar de um Cipó
*Fotos 2: Frame de uma reportagem sobre o assassinato de Herinaldo 
*Foto 3: Amigos de Herinaldo protestam contra a violência policial no Rio de Janeiro. 

15 de setembro de 2015

Baba Mí - O Candomblé de Pais que não Abandonam suas Crianças




Escrevi esse texto, em agosto de 2015, sobre o dia dos pais, minha relação com a data e meu encontro com a paternidade amada, no Candomblé.  Nesse texto, me proponho a falar de mim. Somente das minhas experiências com o segundo domingo de agosto e de como o candomblé re-significou essa data, em minha vida.

Bem Sou filho de Mãe que cruelmente viveu solitária, trabalhando dia e noite para educar a mim, meus irmãos e outros quatro sobrinhos que ela acolheu quando uma tia faleceu. Isso não é uma história de vitimismo. Tampouco uma tentativa de romantizar as dores que minha mãe atravessou sozinha, durante os últimos 30 anos.É uma história que me ensina sobre a capacidade de amar em meio ao caos.E foi com essa Mulher de força Incrível que entendi que preciso ser um homem melhor para ela, para as pessoas que amo, e para que meus descendentes (não sou pai, ainda!), não precisem passar por todas as ausências que eu, meus irmãos, meus primos e muitos dos nossos próximos passaram. 

Mas como ser um Homem melhor sem o exemplo de um homem bom para seguir?

Tenho bons tios, e nos caminhos da vida, encontrei homens que inspiraram, ajudaram e fortaleceram, mas que só podiam ficar um pouco. Eram professores, padrinhos, mestres da capoeira, pais de amigos, educadores e não eram alguém que eu poderia encher o peito pra chamar de Pai. 

É... Hoje, posso dizer que já consigo entender o que um Pai significa para a formação de um menino. É mais difícil jogar bola com sua mãe quando ela precisa trabalhar, ou estar em casa fazendo comida, lavando, passando, limpando, pensando como pagar a próxima conta de luz. Por mais orgulho que se tenha,  parece que "destoa" quando você tem que fazer desenhos comemorativos na escola, pintar gravatinha, maletas e desenhos de pai e filho, quando sabe que vai entregar para sua mãe e sabe também que ela não usa, nem gosta de gravatas. Dá um nó na cabeça ao lembrar, pensar e escrever sobre isso, mas preciso dizer porque o certo seria que esses nós fossem laços de união,mas ainda não são. Não foram.

Nesse mundo, cresci conhecendo tudo a minha forma, com meus próprios olhos e decidi o meu retorno ao candomblé - nunca digo que "entrei para a religião". Retornei para a religião dos meus ancentrais. Assumindo, se apropriando e significando aquele universo em mim. 

A primeira vista, tudo é um monte de santo com nomes estranhos que você não sabe nem o que significa. Depois vai entendendo que esses santos tem nome de Orixás, e mais um pouco de vivência, aprende que são forças lindas, que vivem dentro de você, e o mais especial e incrível de tudo: As Forças Masculinas são seus Pais e as Forças Femininas, são suas Mães. E eu que nem gostava dessas coisas, descobri que eu tinha Pai. Um não, vários Pais que me trouxeram e me amparam nesse universo, cada um com sua responsabilidade.

Agora, a vida tinha um outro significado. Se por um lado, a figura paterna humana fazia falta, por outro, a paternidade sagrada, chamada de Orixá me atendia no ar que respirava, no fogo que me aquecia, no chão que caminhava, nas escolhas que fazia, no remédio que tomava, nos desejos que só eu sentia, nas transformação que o mundo me pedia. Nada mau para alguém como eu, não mesmo. A presença transcendia qualquer coisa.  Nesse universo, entendi que a presença paterna era a essência dos Deuses Homens que sempre me amaram e nunca deixaram de jogar bola, me olhar enquanto empinava pipa, corrigia-me das travessuras e até me alertavam das más companhias. Sem que eu ao menos eu entendesse, mas seguia. 

Foi assim que, dia após dia, a ancestralidade me  acolheu e me ensinou a compreender que as coisas da vida. Me ensinou ainda mais, ensinou que quando se é filho de Deuses Africanos, não existe solidão que assole. Me ensinou que era papel meu zelar pela existência digna desses Pais que permitiram reencontrá-los. 

Nesse caminho de eterno reencontro, aceitei a missão que o destino me preparou e nasci para a Eterna Ancestralidade Viva. Eu me tornei um filho do bastão sagrado que cuida dos ancestrais homens que por aqui já passaram. Sim. Além de ser filho de um Orixá, eu nasci filho de um pai que não pude conhecer, mas que desde minha gestação, já me conhecia e me escolheu para seu encontro ancestra. Eu nasci Omoixan – Filho do Ixan, que no Candomblé Egungun, nasce para uma vida de relação direta com  Pais que viveram por aqui, protagonizaram grandes feitos da vida espiritual, e ascenderam para cuidar de seus filhos, de um outro lado. E eu me orgulho muito disso.
Me orgulho em ser tão pequeno, mas de estar viver com o coração aberto para todas essas forças que me amparam. Me Orgulho de servir aos homens que lutaram e até morreram para que eu pudesse ter vida – e que eu nunca pare de lutar. Me orgulho em poder gritar meus Pais no vento e saber que eles me acolherão. Me orgulho e me sinto, sempre menino, por hoje ter o coração povoado por mais de um Pai, quem sempre me amaram e que preparam todos os caminhos para que eu aprenda, dia após dia, a ser o ser humano melhor que minha mãe ainda batalha para criar.

Eu escrevo essas linhas, somente para tentar mostrar a importância do candomblé em minha vida. Compartilho minha história, que certamente é semelhante a de outros homens (sempre meninos) que encontraram abrigo, colo e referência paterna na religiosidade africana. 

Homens que, por motivos da vida, nunca abraçaram seus pais no segundo domingo do mês de Obaluaie, mas que por sorte do destino, hoje podem se dobrar, e agradecer, todos os dias aos Orixás Exu, Ogum, Oxóssi, Ossain, Omolu, Oxumare, Xango, Logun, Oxaguian e Oxalufan – Benção, Pai, pelo Amor que é ser Filho dessas energias. Escrevo para agradecer aos Ancestrais Homens Divinizados no Candomblé Egungun por re-significarem minha vida, fazendo-me entender que ser  bom Omo (filho) é a certeza de um dia ser um Pai Bem cuidado pelos seus descendentes. 
Escrevo para agradecer o Candomblé por me permitir reencontro com todos os Pais Exemplares, que o Universo me permitiu antes mesmo de ser gerado por um homem que um dia se ausentou. 



Gbogbo Babá Mí, Mo jubá – A todos os meus Pais, Meus respeitos!

Texto: Roger Cipó 

A foto é sobre "O dia que Omolu me fez filho mais amado". Registro do meu irmão: Barulemi. 

9 de setembro de 2015

Sobre Ser L'esse Orixá Quando Há Dois Lobos em Nós


Longe de mim ter respostas para todos os problemas que enfrentamos em nossa sociedade religiosa.
Por mais que eu diga e exalte o Candomblé como a religião mais perfeita e completa do mundo, preciso dizer que religião é formada por seres humanos - seres humanos são falhos, têm problemas, ânsias pessoais, ganância, inveja, e uma infinidade de defeitos. Por outro lado, seres humanos podem aprender amar, são amáveis, sonham, se comovem e possuem uma infinita possibilidade de bons sentimentos.

Falar das euforias e tempestades sentimentais humanas, me leva a lembrar uma das aulas mais lindas que já tive, onde o professor contara sobre os Dois Lobos, que uma vez foi contada para um jovem índio pelo  Ancião da Tribo dos Cherokee (tribo ameríndia). O Agbá que diz que:

 "Todo ser humano carrega consigo dois lobos - um é mau, de dentes fortes como a inveja, raiva, ciúmes, arrogância, ego e outras coisas do tipo; o outro lobo é bom, de olhar forte como a alegria, esperança, serenidade, fé, humildade, generosidade, harmonia. E todos os dias, esses dois lobos se peguem em atrito, quase que mortal." 
- Esperto, o jovem índio indaga: Mas Mestre, nessa luta, quem sai ganhando? 
- Serenamente, o Velho Sábio responde que: Nessa Guerra entre o Lobo do Bem, e o Lobo do Mal, vence aquele que você alimentar". - E penso que seja assim mesmo!

Em meio a tantos lobos, seres desumanos, e outros seres humanos fantástico, me arrisco a dizer que para nós, o caminho da paz interior, da prosperidade, sucesso, amor e boa convivência, é mais fácil.
Temos uma legião de divindades que movem o mundo para que possamos alcançar nossos objetivos e sermos pessoas melhores para nós mesmo, para o sagrado e para as pessoas a nossa volta. - Até porque "tudo que move é sagrado". Basta com que, em todas as nossas ações, lembremos que somos filhos de divindades que nos pedem muito pouco - e que nos dão o direito de alimentarmos o lobo que a gente quiser.

O que não se pode esquecer é que a receita é simples e fiz questão de colocar no começo desse pensamento. Candomblé não é lugar par o lobo do mau e seus predicados. Sabemos bem que candomblé é a celebração da vida, da cooperação e interação da natureza sagrada e a natureza humana. Podemos ser melhores sim, pois essa é a verdadeira missão. Nossos desejos são muito poucos, e por mais que se queira mudar, modernizar, comercializar, nada é possível se não nos voltamos para praticar o exercício de ser, de fato, L'essé Orisá.

[Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]

8 de setembro de 2015

A Síndrome do "No meu Tempo..."






"No meu tempo, era assim..." 

"No meu tempo, Yawo era assim..." 

"No meu tempo, Orixá não fazia assim..."

"No meu tempo, Ogan era assim..."

"No meu tempo, isso... No meu tempo aquilo... No meu tempo, no meu tempo, no meu tempo..." 


Chega de "No meu tempo", né? 


To pra conhecer alguém que nunca tenha ouvido a expressão "no meu tempo", antecedendo uma certeza absoluta para dizer que, "em algum tempo", o candomblé era de verdade. 
A expressão é tão presente que, desde cedo, a gente vai aprender a lógica saudosista de só esperar a brecha de do mais novo, para sentir o gosto de dizer: "no meu tempo...", e dar lição de moral. 


Eu até entendo quando os Agbás, indignados, contam os bons feitos de outrora, e expressam suas decepções. Entendo sim, e faço quórum para dizer que temos assistido uma banalização da religiosidade e da fé, nos orixás. Muito por influência dos males de uma sociedade imediatista, capitalista e pautada em superficialidades, que muito me assusta. No entanto, é de responsabilidade nossa lutar por conscientização - e por que não dizer reeducação? - sobre a importância do bem cuidar, do respeito, e atenção, para que os cultos se perpetuem. É nesse lugar de refletir,  me encontro amparado no alerta de Mãe Stella de Oxóssi que chama atenção de todxs - do mais velho ao mais novo - e nos responsabiliza: "Meu Tempo é Agora". 


Sim! É agora e não podemos mais perder tempo com saudosas ilusões e críticas sem elas não nos tiram do lugar de inercia, para ação. 
Sabemos sim que há muito o que se acertar - e não falo das questões ritualísticas individuais de cada casa. Falo, principalmente da consciência e responsabilidade com a cultura religiosa. Falta mesmo de seriedade na condução e educação de nossas comunidades, e talvez, é desses lugares de irresponsabilidades que surgem espaços para excessos e tanta displicência que, infelizmente, assistimos todos os dias. 


Mahatma Gandhi, líder pacifista Hindu, nos ensina que "devemos ser a mudança que queremos no mundo", por isso, penso eu que só falar que "no meu tempo" o mundo era melhor, não ajuda a transformar aquilo que não nos agrada. - Talvez, esse tipo de fala nos distancia da realidade.

Precisamos participar da mudança, de forma que aconteça, primeiro em nós mesmo, e depois nos abrirmos para colaborar nas transformações do outro. 
Talvez, perdemos muito tempo choramingando ( ou mesmo, quem sabe para inferiorizar as verdades presentes), cuspindo aos quatro ventos o quão melhor era o passado.
Nessa de "no meu tempo", acabamos mesmo por perder a noção do tempo em que  estamos e qual o tempo queremos, para o amanhã. 


O que vai ser do amanhã? Não sei - já disse que muito me preocupo, mas penso que, pelo menos agora, já é hora de acabarmos com a síndrome do "no meu tempo", se nos tornarmos parte da solução. 
Creio que um bom remédio para tal doença, seja boas doses de "Meu tempo é Agora". Precisamos acordar para a coletividade e entendermos de vez que "sou parte desse tempo", porque vivo, respiro e moro aqui.

Os erros e acertos desse tempo, nos pertencem, da mesma forma que glórias passadas, que em um outro tempo, também teve lá seus desacertos. 

No mais, eu ainda fico me perguntando: O que esperamos para fazer desse tempo, um tempo melhor para nós e para as divindades?  Pois, em Passado, Presente e Futuro, o Tempo sempre será um Orixá importante para o tempo de vida de cada um.

Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved


4 de setembro de 2015

Sexta-Fria - Quando chega Oxalá




Percebe o frio da primeira sexta-feira do mês? Agora, vá me dizer que Oxalá não sabe o que acontece no mundo..? 
Não ouse me dizer que meu Deus é força distante e que só nos encontraremos em um certo juízo final, antes de um Paraíso.
Não é assim não. 

Minha sorte é essa. É a força de um Deus presente em todos os dias, horas, minutos, segundos. Minha sorte é poder perceber quando a força mais sagrada passa na terra. E o meu pai faz assim, baixa as temperaturas, assenta a fúria, e no vento gelado, vai confortando quem por ti tem fé. 

E manda chuva porque aqui anda tudo muito sujo mesmo. Mas ele, em mais pura piedade, nos lava das impurezas que nossas próprias vontades criam. Nos permite água nova para lembrarmos que é tempo de reviver sua saga de resiliência constante no mundo apressado. 
 
Astuto? talvez. Mas quem sou eu para questionar o Rei quando ele diz que vai? Eu posso não ir, mas ele vai quando quiser, para onde quiser. Reveza os passos mais lentos e certeiro e chega onde quer chegar. 

Percebe que é a primeira sexta-feira do mês e corre água vinda do céu. É tempo de água rolar para lavar o mundo. É tempo da peregrinação branca que acorda os dias, em quartinhas alvas. Caminha em fila única, canta sem muito alarde - canta rezando. Pisa o chão descalços, sente o frio que toma a terra umedecida pela neblina. Canta com o coração a chorar. Curva-se com calma e sem pressa, mergulha  e enche sua pequena porcelana de água mais limpa que as lágrimas que nos escorrem o rosto... Volta a cantar, volta rezando que o próprio caminho te lava. Chega para lavar  a vida mais uma vez. Em pura paciência, repita os caminhos por todos os dias, e dia após o outro, o peso do mundo diminui... É quando as vestes do Rei tornam-se alvas, mais uma vez e ele perdoa o mundo. 

Mundo esse que Ele traz nas costas sozinho, amparado, no bastão pra sustentar a vida. Vai menino novo, limpa  coração para poder te estender a mão!  Sim, o Rei me dá a oportunidade de lhe tocar. Emoção! É quando as minhas pernas tremem, eu fraquejo por dentro, e por fora sou firma rocha de sustento, porque meu Pai quer dançar. Ele vem, quase em um... dois... três, passos só, quando o coro se bota a quebrar.  

É que essa é a nossa vida. E entender nem se faz em meu pensar. Viver para a força Branca é sentir o frio, acalentar na chuva fina, e tudo, na neblina, enxergar. É que o Rei já tirou a pressa do mundo, para que nada a gente não pudesse mais a vida sujar.
Mas tenha calma. Olhe a janela, veja o Rei no breu. Seja também a neblina, de vento gelado que arrepia a espinha, dobre os joelhos, alcance o chão gelado, dobre-se mais até que o topo do seu mundo, encontre a base da existência - sim. bata cabeça - cante, reze cantando, converse no silêncio... e sinta quando passa Oxalá...


Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
 


1 de setembro de 2015

Janaína Grasso não é Descolada, Marie Claire! - Resposta de uma das Entrevistas à Revista



"Candomblé é TRADIÇÃO, ANCESTRALIDADE, RESISTÊNCIA.



Pra começar, não há nada de descolado em ser de religião de matriz africana.
Não é alternativo nem religião da moda. O que me espanta é ver como a nossa
mídia ainda se sustenta na superficialidade e continua representando aspectos
da cultura negra de maneira esvaziada, estereotipada, deturpada. “Com festas e
sem regras rígidas?” Não entendi este título. Mas de que candomblé e umbanda
vocês estão falando? Eles tem milhares de fundamentos,
regras, tradições que sustentam sua existência.

Quando você recebe um convite para ser entrevistada numa revista, não há
garantias de como o conteúdo vai ser veiculado. Mas, associar a sua entrevista
à uma reportagem que traz o Candomblé e a Umbanda como religiões da moda, e
como se isso fizesse de você “alternativo” é lastimável. Até quando o
jornalismo vai se prestar a este papel? Nós precisamos nos retratar de outra
forma, com criticidade e mais respeito. Querem falar sobre os jovens no
Candomblé e da Umbanda? Identifique que essas são religiões de matriz africana,
elas tem origem, elas tem tradição, memória, história, estrutura.


As religiões de matriz africana, o Candomblé e a Umbanda se mantem vivas
graças a muita RESISTÊNCIA, elas enfrentam um racismo e discriminação secular!
Quantas casas de candomblé são destruídas pelo ódio, racismo e violência?
Quanto racismo se enfrenta todo dia por seguir uma religião negra? Quanto da
história do negro não é APROPRIADA por uma cultura embranquecedora? 

Eu me dedico ao candomblé desde criança. Sou nativa da Ilha de Itaparica, na
Bahia. Minha família, especialmente meu Bisavô Cassimiro, se dedicou ao culto
de Egungun e ancestralidade até a morte. Ele era Ojé (sacerdote) no culto a
Egungun. O meu avô foi Ogan suspenso em Ogum durante muitos anos.


Eu sou filha de orixá, e essa religião foi apresentada a minha vida e me fez
nascer de novo para minha espiritualidade. Nos inúmeros rituais do candomblé há
preceitos, obrigações, hora pra iniciar os rituais, rezas, banhos, saudações.
Os preceitos especialmente não são fáceis pro jovem. 

Eu por exemplo, tive minha iniciação como filha de orixá aos 18 anos.
Durante UM ANO, tive que viver em resguardo (momento dedicado para que os
orixás exerçam proteção e influência direta para o iniciado).


Nesse resguardo tive que durante 6 MESES me privar do sexo, do álcool, de
algumas comidas específicas, oferendar meu orixá toda segunda feira, não pude
frequentar festas, baladas, não podia ficar na rua depois da meia noite etc.
São inúmeras regras fundamentais, referente a um exemplo dos tantos rituais
existentes no Candomblé, poderia citar vários aqui. Não é brincadeira ser filho
de orixá.

Não vejo como posso ser descolada por ter a minha fé, por ter uma religião
familiar, passada de geração pra geração, como herança. Eu sou o que sou graças
a fé que dedico aos orixás, graças ao mundo que o candomblé me apresentou. É
dele também que extraio minha voz pra me posicionar aqui." 




Janaína Grasso