24 de agosto de 2015

Exú

Tendo, certa vez, com um grande sábio, perguntei:
- mestre, qual o caminho da felicidade?

Com o olhar inclinadamente irônico, mas não menos suave, disse-me:
- O mesmo caminho que te trouxe até aqui!
Retruquei, dizendo:
- Mas não encontrei felicidade alguma no trajeto!

Agora com um sorriso largo, imutavelmente suave, discorreu:
- É curioso como muitos acham que a felicidade está sempre no presente, no agora ou no futuro, no amanhã... É bem verdade que a felicidade também está nestes espaços. Mas o problema da infelicidade humana se chama: efemeridade e letargia!

Veja bem, nobre andarilho... quando eu era criança, na minha cidadezinha costumava passar todos os dias e, pontualmente, uma locomotiva. E era sempre uma festa! Crianças, donzelas e velhos corriam para frente das suas casas e julgavam-se muito felizes com a aparição da Maria Fumaça naquela humilde aldeia.

- E o senhor, não se animava para ver também?
- Eu? /risos/.... Eu era o primeiro a correr e a chamar por todo mundo, e a pular feito balão, acenando com as mãos na tentativa de chamar a atenção do maquinista.

Mas imediatamente após a locomotiva desaparecer dos olhos dos meus conterrâneos, uma imensa tristeza e melancolia aprisionava os mesmos. Todos, absolutamente todos, corriam para as suas casas e lá ficavam por algumas horas.

Este mal estar me intrigava, pois eu não bebia dessa nostalgia, tampouco fazia sala para esta tristeza. Eu ficava ali parado no meio do terreiro e fitava com a mesma euforia a fumaça que parecia formular desenhos no ar só para mim. E quando a fumaça desaparecia completamente, eu fechava os meus olhos e ainda conseguia ouvir o bailar do trem sobre o palco infinito de ferro.

Quando cresci, cheguei à conclusão de que um dos principais motivos que gerava a infelicidade aos queridos moradores da minha antiga aldeia, era o culto exacerbado ao presente que sempre foi e será efêmero. Em outras palavras, as pessoas não aprenderam a cultuar as suas memórias, não conseguem dialogar com o passado. Nesta "filosofia de araque", onde nos ensina que devemos olhar sempre para frente, para o futuro - lugar do provável encontro com a felicidade -, as pessoas vão automatizando os seus olhares para as suas raízes, origens e, inevitavelmente, vão perdendo suas identidades, pois são adestradas a sonharem sonhos coletivos e a acreditar que apenas no amanhã encontrarão a real felicidade. Com isso, vão ficando cegas para a beleza das pequenas coisas que passam despercebidas em seus caminhos.

O que sou hoje, eu devo ao meu passado. Ao passo que todas as experiências boas e ruins moldaram o que me tornei. E creditar que a plenitude da felicidade encontra-se somente no futuro, nada mais é que o covarde medo de enfrentar as coisas mal resolvidas que deixamos lá no passado. E é pura tolice achar que trancando estas mesmas coisas no quarto escuro do passado e corrermos para o encontro de uma possível felicidade no futuro, iremos conseguir. Pois quem gera o futuro de cada ser humano é o seu passado.

Com isso, andarilho, não estou dizendo que devemos ficar presos ao passado ou não desejarmos dias de glórias no futuro. Só estou querendo dizer, que o futuro é filho do presente e neto do passado. E se você não cultua a memória dos seus antepassados (e nesta metáfora estou usando a figura do avô enquanto passado), o neto (metáfora do futuro), certamente irá lhe cobrar com juros o que você fez e/ou deixou de fazer com o seu avô (passado).

- Mestre, como pode este mero andarilho, desautomatizar o seu olhar e reencontrar o caminho da sua felicidade?

- Existe um mensageiro que é fiscal de todos os atos dos seres humanos desde os tempos imemoriais. Ele é quem cobra e também quem notifica os pagamentos e resoluções.
- Mestre e onde eu posso encontrar este mensageiro?

- Andarilho, andarilho /risos/... Não é você que o encontra; Ele que encontra você!
Ele não está apenas em algum lugar do lado de fora. Ele está em todos os lugares, inclusive dentro de você.

- De mim?

- Sim, Ele, o mensageiro, é do tamanho da consciência que você tem dEle.
Continue andando e refletindo sobre o que acabou de ouvir e lembre-se: quando encontrar-se com Ele, humildemente, renda-lhe homenagens, abrigo, comida e bebida. E quando Ele te perguntar o que você deseja, eis um conselho:

Peça as bênçãos que Ele carrega em sua cabaça!

Na cabaça de Òdàrà contém tudo o que você precisa:

Passado - Presente - Futuro = Harmonia!

Verdade;
Humildade;
Sagacidade;
Bom humor;
Vitalidade;
E
Movimento!

Texto: Ifadeyin Fakolade - Barravento
Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved

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