14 de abril de 2016

Povo de Axé e Eduardo Suplicy se reúnem para Manifesto contra o Golpe a Democracia


Carta que foi elaborada por representantes de comunidades de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, é um alerta sobre os perigos do atual cenário político para as tradições afro-brasileiras, e será enviada à Brasília.  




Na noite de quarta-feira (13/04), religiosxs do Candomblé e Umbanda e o Professor Eduardo Suplicy (Eterno Senador, como lembrado por lideranças religiosas presentes) se reuniram para o lançamento do Manifesto do Povo de Axé Contra o Golpe a Democracia, no Templo de Culto Sagrado Tata Pércio do Battistini, popularmente conhecido como Axé Battistini (SBC - SP). Não por acaso, a quarta-feira foi escolhida por ser dia de reverências a Xangô, a divindade iorubá da justiça, que como lembrado pela Iya Egbé Daniele de Oxum, é também o ancestral político: "Xangô tinha doze ministros. Xangô já fazia política!".

O Manifesto do Povo e Axé Contra o Golpe a Democracia, foi organizado, escrito e assinado por religios@s de estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, e tem como objetivo alertar candomblecistas e umbandistas sobre os perigos do atual cenário político para as comunidades de terreiro que historicamente são perseguidas e violentas por um regime de poder fundamentalista, e denuncia a violência contra a mulher. O texto fala também dos avanços e conquistas de direitos protagonizados pelos movimentos sociais, para igualdade de direito e dignidade à vida.




Em honra a Xango e Airá, o patrono do terreiro, o evento iniciou com a cerimônia do Amalá, oferenda à divindade para clamar por discernimento e justiça pela paz social. Após cânticos e rezas no templo de Xangô, a sacerdotisa Iyalorixá Luizinha de Nana e os demais dirigentes, Iya Egbé Daniele e os Babás Giba e Carlinhos, acompanharam o Ex-Secretário de Direitos Humanos do Município de São Paulo, Eduardo Suplicy ao Memorial Tatá Pércio, onde apresentaram a história do terreiro que é tombado patrimônio cultural material de São Bernardo do Campo.  

"Acho da maior importância que todas as comunidades de terreiros, de axé, de São Paulo, da Bahia e de outros estados brasileiros tenham assinado esse manifesto em defesa da democracia, em defesa do respeito ao resultado das urnas de 2014, quando a Presidenta Dilma Rousseff, por cerca de 54 milhões de votos, foi eleita para seu segundo mandato." - Concluiu Suplicy, que após assinar o manifesto, recitou "Homem na Estrada" dos Racionais Mc's, e se encarregou de enviar uma segunda carta à Presidenta falando da importância do documento criado pelas comunidades de terreiro.






O Manifesto do Povo e Axé Contra o Golpe a Democracia se mantém aberto para o engajamento de religios@s do país, antes de seguir para Brasília. Segundo a Iyalorixá Luciana de Oyá, um objetivo importante dessa ação é despertar a necessidade de participação de mais Candomblecistas e Umbandistas, em outros espaços políticos porque, na prática, os terreiros já fazem políticas educacionais, culturais, sociais, e precisam ter consciência disso".

Interessados em assinar o Manifesto podem enviar e-mail com nome completo, nome do terreiro, cidade e estado, para rluciana.lms.pju@gmail.com ou eduardo-aires@usp.br

Confira o texto do manifesto, na íntegra:



AO POVO DO AXÉ

Mesmo existindo posicionamentos diferentes entre nós a respeito da situação política atual, convidamos a todos para uma reflexão.

Por que será que o Brasil, desde nossos ancestrais até chegar ao poder um afro-descendente nordestino e uma mulher, sempre esteve preso às ordens do FMI e dos Estados Unidos? Por que será que antes o filho do trabalhador não tinha acesso ao Enem, Prouni, Fies e Pronatec? Por que o salário mínimo era inferior a 100 dólares? Por que as mulheres não tinham seus direitos assegurados em leis como a Maria da Penha e as empregadas domésticas, muitas vezes obrigadas a deixar seus filhos na rua para cuidar dos filhos das patroas, só agora puderam ter os direitos trabalhistas garantidos? Por que investigações sobre pessoas da classe dominante e políticos eram arquivadas? Por que as pessoas não podiam se organizar conforme sua orientação sexual? Por que mesmo trabalhando em dois empregos as pessoas não tinham acesso a bens como automóvel, nem a planos de saúde ou financiamento da casa própria? Por que só agora 40 milhões de famílias foram tiradas da extrema pobreza?

Será que o fato da mídia no Brasil estar nas mãos de meia dúzia de pessoas não faz com que queiram derrubar aqueles se recusam a defender seus interesses? Será que o projeto de poder da bancada evangélica contribui para a manutenção de nossos direitos?

Reconhecemos que há uma instabilidade política e econômica em razão da não-percepção do quanto a crise internacional afeta o Brasil e isso se somou aos acontecimentos que temos assistido por parte dos que não aceitam a derrota nas eleições de 2014. De forma democrática, a vontade de mais de 54 milhões de brasileiros, entre os quais muitos trabalhadores, distribuídos em diversos grupos, como negros, indígenas, mulheres, LGBTTs, movimentos sociais variados, foram o "fiel da balança" numa eleição extremamente disputada. Contudo, alguns veículos de comunicação têm espalhado um certo terrorismo na sociedade, causando confusão generalizada já visando 2018. 

Considerando tudo que foi dito, é nossa responsabilidade decidir o papel de cada um e de todos no cenário político atual. Devemos tomar uma posição, pois religião e política se discutem, sim; ainda mais com a responsabilidade que os sacerdotes têm em auxiliar as pessoas tanto espiritual quanto psicologicamente.




Neste momento, falam como se tudo fosse competência da Presidente da República, mas se realmente fosse responsável por tudo, por que elegeríamos senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores? Segundo o Ministro Marco Aurélio, do STF, nossa Constituição prevê a possibilidade de impeachment. Mas não havendo base legal, como é o caso desse pedido que tramita no Congresso, pode ser interpretado como um golpe. Trata-se, portanto, de um desrespeito ao Estado Democrático de Direito, que vem atropelando todas as instâncias jurídicas e o bom senso, colocando em risco, inclusive, a segurança nacional.

Portanto, se nossa bandeira é verde e amarela, o sangue que nossos ancestrais derramaram pelo Brasil é vermelho e continuará sendo vermelho o sangue dos nossos filhos e netos, que representam nosso respeito à pluralidade ideológica, seja de crenças, seja de opções de vida. Não podemos permitir que nossos descendentes regressem à mesma situação de anos atrás. Nosso posicionamento político enquanto religiões de matrizes africanas é fundamental, e é preciso considerar todas as conquistas dos últimos anos, como secretarias voltadas para assuntos do povo negro e das tradições dos povos de Axé; ações do Ministério da Cultura, por meio de suas instituições (como Iphan e Fundação Palmares); conquistas na educação (como a Lei 10.639); políticas de cotas e de promoção da igualdade racial. Além de tudo isso, o direito de praticar nosso culto sagrado sob a proteção da Constituição Federal.

Essas conquistas democráticas correm risco. Não podemos hesitar nem ficar inertes enquanto outros países e instituições, como ONU, OEA, ONU Mulher, França, Espanha, Itália, Vaticano, se pronunciaram contra essa tentativa de golpe. Devemos jogar nossa água na rua e pedir a Exu que permita a nosso Ori ter sabedoria, assim como quando nos escolheu, juntamente com nossos Odus e Orixás, para vivermos aqui na Terra. E a nossa ancestralidade, que nos transmitiu exemplos de fé e resistência.



Assinar este manifesto contra o golpe é defender a Democracia. Apoiar este manifesto é garantir direitos conquistados com anos de luta. Ser contra o golpe é ser contra a discriminação de todos os negros, indígenas, LGBTTs e principalmente mulheres, que também são desrespeitadas quando agridem a Presidenta Dilma Rousseff. Sendo assim, não somos a favor de maus feitos ou desgovernança, mas devemos vigiar a todos que escolhemos por meio do voto e renovar, ou não, democraticamente, esses mandatos nas eleições de 2018.

Independentemente de posições partidárias, evocamos Xangô, Orixá da Justiça, sobre todos aqueles que buscam artifícios para enganar o próximo. Que sejam os primeiros a sentir o peso do seu machado – que não permitirá que nenhuma injustiça seja praticada contra aqueles que não se acovardaram em momento de decisões difíceis.  



 
JUNTOS SOMOS MAIS FORTES


“Viver Significa Tomar Partido” (Gramimsci)

Leia também outros posicionamentos:

Mãe Beata de Yemojá 
Grupo Ìkórítá


Matéria e Fotos: Roger Cipó - Olhar de um Cipó 

5 comentários: