Fomos condicionados à uma educação competitiva que
verticaliza o saber e a todo instante nos polariza em "quem sabe" x
"quem não sabe", "gente inteligente" x "gente
burra", nos distanciando das possibilidades de aprender com outras potencias,
fazendo com que nos enxerguemos como rivais,
em uma violenta cadeia que tem como objetivo tornar "quem sabe
menos", submisso a quem "quem sabe mais". Assim, tem mais quem sabe mais, e quem sabe menos, tem menos. Conhecimento é poder - informação
também é.
E se quem tem conhecimento/informação detém o poder, por que
não compartilhar? Quais os reais motivos para não se promover o acesso ao
conhecimento e informação? Quem lucra com nossos poderes ou ausência deles?
São essas e outras
perguntas que me proponho a reflexão, sem respostas - e nem é essa a ideia!
As escrevo para consegui pensar, e quem sabe assim, pensar com mais pessoas. No
entanto, atento: as sociedades se baseiam em estruturas de poder, quem o possuí
(seja lá qual natureza de poder for) ocupa lugares de privilégios, que geram
confortos, que "massageiam" o ego, e o ego se retroalimenta e faz com
que "poderosos" tenham condições de reprodução desse, que me parece
um ciclo sem fim, e que atravessa séculos estabelecendo quem é, quem não é, quem
pode, e quem não pode.
Nunca entendi poder como algo errado, não é isso. O errado
está em mal usar, ou somente monopolizar tal elemento. Poder (seja lá de qual
natureza for) precisa ser distribuído para que se haja equilíbrio e harmonia da
vida. Quando digo que precisamos Empoderar @s Noss@s, quer dizer que precisamos
dar/compartilhar para despertar o poder sucumbido - quase sempre,
inferiorizado, por uma cultura opressora.
Por que eu estou pensando e escrevendo sobre isso? Não sei,
rsrs. Acho que faço para que se possa ler,
a partir dessa visão, a experiência que relato nas próximas linhas:
Era domingo de sol, e o terreiro todo em função. Quem vive
em terreiro, sabe que "função" é aquele momento em que a comunidade
está mobilizada para atividades, seja rituais ou sociais. Nesse caso, eram as
duas coisas. Naquela manhã, nos dividimos em alguns grupos: um para cuidar das
questões domésticas, um grupo para os afazeres litúrgicos (cozinhar comidas dos
Orixás, preparar o espaço sagrado, buscar folhas, preparar banhos, entre outras
coisas), e um grupo para dar conta do serviço braçal, já que estamos com
construção em andamento. Assim o dia acontecia em nossa casa de Axé.
Enquanto eu subia e descia com o carrinho de mão cheio de
entulhos, percebia o movimento litúrgico: alguém fora na mata pegar folhas.
Outro alguém se encarregou do balde d'água e bacias, colocadas aos pés da
árvore. Aquele que era mais um momento "normal" da rotina do
terreiro, tinha um tom especial. E entre um carrinho de mão e outro, eu
assistia.
Paó.
E a magia começava ali.
Com cuidado, as meninas tiravam
as folhas dos galhos. Com mais cuidado ainda, esfregavam uma folha na outra, em
sincronia com os cantos, ora puxado pela Iyalorisa, ora puxado por algum dos
mais velhos que se aproximava para a corrente. A cena foi me ganhando - e os
intervalos entre as idas e vindas com carrinho acabaram por demorar demais.
Um irmão se ligou no meu movimento e logo levou meu carrinho. Acabei por correr
para buscar outra ferramenta, a câmera fotográfica. Não era preguiça, não. Era
pela oportunidade de registrar, de alguma forma, aquele momento.
Demorou para que as jovens yawo percebessem a presença de
minhas lentes. Elas cantavam e rezavam em plena concentração. Seus olhos e
pensamentos eram fixos à bacia de água que ganhava cor, textura e exalava o
perfume das folhas pelo terreiro. Não era mais água, era banho, um banho
sagrado. Folhas e mais folhas mergulhadas, rezas e mais rezas entoadas. Entre
um canto e outro, a mais velha gaguejava e logo era amparada por uma voz mais
alta que a lembrava a palavra esquecida. A voz mais alta era de Mãe e tinha tom,
tão doce quanto o alto volume, para que a menina de Oyá entendesse.
Esfrega folhas umas nas outras,
Macera folhas,
Vai quinando o banho...
Deixa a magia acontecer
Em um triangulo cheio de amor, as meninas entendiam as
orientações vindas dos olhos de Mãe. Bocas apenas cantavam os cantos rezas, e
vez ou outra, escapava um sorriso, quando a cabeça balançava para
"alafiar" o rito. As garotas estavam certas, executando com primor o
encantamento.
Ewe O! O cristal de água pura deu lugar ao tom verde
esperança que purificaria o corpo do irmão mais novo. Banho pronto. Paó,
acompanhado pelos mais velhos que acompanhavam para aproximar ainda mais a força
sagrada.
Meninas cheias de vontade e fé, recebendo o poder de
fortalecer. Era a coisa mais linda de se viver e aprender... E aprendiam com
cuidado, com respeito, e atenção. Orientadas e abraçadas em cada palavra, ou
gesto.
Essa experiência durou somente alguns minutos daquele
domingo bonito, mas foi o bastante para me fazer pensar o quanto é benéfico a
mim acreditar nesse caminho de candomblé.
Foi dessa forma que parei para pensar em Poder e como tratamentos a presença ou ausência dessa força, tanto dentro dos nossos espaços sagrados, quando no mundo externo. Assim, me peguei pensando em como se vive e se aprende candomblé? Não tinha livro, mas ela aprenderam. Não tinha fala, mas ela leram. Não tinha ordem, mas elas seguiram o exemplo. Não tinha grito, e nem precisava ter.
Foi dessa forma que parei para pensar em Poder e como tratamentos a presença ou ausência dessa força, tanto dentro dos nossos espaços sagrados, quando no mundo externo. Assim, me peguei pensando em como se vive e se aprende candomblé? Não tinha livro, mas ela aprenderam. Não tinha fala, mas ela leram. Não tinha ordem, mas elas seguiram o exemplo. Não tinha grito, e nem precisava ter.
Houve muito respeito. Responsabilidade. Atenção. Cuidado.
Poder.
E não era só o poder das folhas, nem só o poder da posição de Iyalorisa e da comunidade religiosa à volta. Houve espaço para que os poderes das meninas florescessem. Elas eram e se entenderam parte importante do ritual, da magia... daquela sociedade. Ali, as meninas eram forças compartilhando seus poderes, para empoderar alguém. Ali, no chão de cimento, aos pés de uma árvore, o poder era de todos, para o bem comum.
E não era só o poder das folhas, nem só o poder da posição de Iyalorisa e da comunidade religiosa à volta. Houve espaço para que os poderes das meninas florescessem. Elas eram e se entenderam parte importante do ritual, da magia... daquela sociedade. Ali, as meninas eram forças compartilhando seus poderes, para empoderar alguém. Ali, no chão de cimento, aos pés de uma árvore, o poder era de todos, para o bem comum.
Foi ali que vi o poder bem usado, na contra mão do que se vê
no mundo de cá.
Ali, naquela manhã de sol quente, à sombra fresca de árvore, que tive a certeza de que poder bem usado e compartilhado, liberta, amplia a visão de mundo e fortalece uma comunidade inteira.
Ali, naquela manhã de sol quente, à sombra fresca de árvore, que tive a certeza de que poder bem usado e compartilhado, liberta, amplia a visão de mundo e fortalece uma comunidade inteira.
Pensando nessa experiência e no início desse texto, eu sei
que, por um lado, falo de mundos diferentes, por outro não. O terreiro é o meu
mundo pequeno, mas grandioso em valores extintos no grande, desenfreado e
superficial mundo em que vivemos. O candomblé é - e pode ser - essa sociedade
onde se aprende no olhar, se ensina com sorriso, e se acolhe com palavras bem
usadas.
É no candomblé que se pode dar e receber poder, sem medo de ficar sem, pois a medida que eu fortaleço o outro, o outro me fortalece, e fortalecemos nossas relações com as divindades das quais descendemos.
Eis a importância de pensar um candomblé de reencontro à filosofia dos nossos ancestrais para, quem sabe assim, assumir o poder que é nosso por herança, mas que nos fora roubado para manter uma sociedade violenta e opressora.
É no candomblé que se pode dar e receber poder, sem medo de ficar sem, pois a medida que eu fortaleço o outro, o outro me fortalece, e fortalecemos nossas relações com as divindades das quais descendemos.
Eis a importância de pensar um candomblé de reencontro à filosofia dos nossos ancestrais para, quem sabe assim, assumir o poder que é nosso por herança, mas que nos fora roubado para manter uma sociedade violenta e opressora.
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Nossa, como tenho gosto de ler suas publicações. Fico grato e sinto orgulho primeiro da religião que me escolheu, segundo de se filho de Orixá e por ae vai, mas dentro de vários orgulhos um, é saber que existem pessoas como você meu irmão, levando todo um conteúdo importante de informações. Motumbá e o meu maior dos obrigados!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMaravilhoso texto!!!
ResponderExcluirNossa que lindo, publiquei no grupo de minha casa :) e adorei a novidade que a filha do próximo barco me trouxe ontem, Doté Pepe Sedrez ficará muito feliz e honrado e todos nós da casa também. Pai Otolu nos abençoe. Ekéde Glaucia de Ayrá
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