Conta-se que o Deus cristão expulsou Adão e Eva do paraíso.
Eles conhecem o pecado, e como penitência perderam a relação harmoniosa com o
todo poderoso. Há que diga que é nesse momento de distanciamento que se nasce a
religião, no sentido de religar reles mortais à divindade sagrada. Pode até
ser, mas religião não é só isso, nem tampouco um branco-cistão-eurocêntrico.
Há quem pense o candomblé como religião e há que acredite
que o conceito religioso é raso para uma tradição em que a divindade sagrada nunca
se distancia de seus e suas fiéis. E eu concordo. Diferente de outras vertentes
a relação sagrada com os deuses e deusas é uma constante. A vida co-existe com
a vida de fé. Os Orixás habitam as águas doces, salgadas e águas dos corpos,
habitam as folhas, as plantas, as árvores - que por sinal são tempos e ligam a
terra e o céu, habitam as estradas, a terra, as montanhas, as cidades, os
ventos, e tudo que é vivo. Porque os Orixás africanos e africanas são forças
vitais que garantem o equilíbrio da vida na terra, em harmonia com o
determinado por Olodumaré, nosso Deus.
A vida em cooperação com os Orixás, de fato, ultrapassa o
conceito e religião comentado, isso porque nosso fundamento é outro, é relação
direta, é entender que tudo ao redor é sagrado e que o corpo é o templo onde
habita Orixá.
Candomblé é uma religião afro-brasileira de culto às
divindades africanas, logo é importante que nos percebamos propagadores da
filosofia e religiosidade dos deuses de África.
Nessa forma de viver, Orixá é a força para nos equilibra na estrada do viver. A medida em que permitimos que essa força se aproxime de quem somos, nos tornamos pessoas melhores. Não melhores como dizem os padrões do capitalismo, e sim melhores para as relações de vida ao redor.
Desde que me encontrei no candomblé tenho me esforçado para viver
a partir do que Orixá ensina e nos pede. Mais que nos ligar a Deus, o Candomblé
nos conduz para uma busca de religar-nos a nós mesmo, perceber humanidade
sagrada no outro, porque se em meu ser habita um deus, no outro também, logo o
cuidado e o respeito devem ser bases importantes das relações sociais.
A minha verdade é que o candomblé fez com que eu me
descobrisse negro. Uma descoberta que vai além da cor da pele, dos cabelos
crespos e traços. Uma descoberta de identidade, da afirmação de uma negritude
que me permite dignidade e força para gritar todos os nãos contra uma cultura
racista que, quando não tenta nos limitar a padrões de belezas que não nos
cabem, marginaliza nossa estética, criminaliza nossas vidas e demoniza nossa
fé. Conhecer o candomblé ligou quem eu era a mim mesmo, a quem eu poderia ser, a quem eu sou.
E isso é religião, isso é sagrado. Porque me faz perceber o quão sagrado o mundo pode ser, e é.
Candomblé é a religião que permite que encontremos o
pedaço de África em nós, que fora sucumbido por uma cultura intolerante e
racista que nunca se permitiu, e não se permite olhar, perceber, sentir e
respeitar a humanidade da fé negra. Quem se inicia no candomblé, seja lá em
qual for a nação, ou em cultos africanos, se permite nascer para a vida
ancestral. Quem assim faz, faz para viver uma filosofia diferente das
superficialidades de um mundo que tem banalizado por demais o sentido de fé, religiosidade
e força sagrada. Faz (nasce) para aprender como a vida africana lida com as
diferenças, cuida dos mais novos, dos mais velhos, respeita as mulheres, aceita
opiniões divergentes, valoriza o que tem valor, não se baseia - e não deve se
basear em preços.
Candomblé é o abraço dado a quem a sociedade nega afeto. É acolhimento a quem não se
permite ser posto em pequenos vidros de ensaio para ter a vida esteriotipada e
assistida por uma mentalidade normativa. Candomblé é o caminho para quem quer
sentir que sagrado é o curso natural da vida e caminha para viver mais próximo
da Mãe do Mundo, a Terra África nunca distante dos seus filhos e filhas.
Texto e Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved
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