Era madrugada de 26 de junho de 2014, e eu seguia rumo ao Rio de Janeiro para uma das experiências mais incríveis: registrar a festa de Xangô e aniversário do terreiro. Eu que já estava me acostumando a frequentar diferentes terreiro de candomblé, quase que não me aguentava de ansiedade para a celebração de 45 anos de fundação do Ile Oba N'lá, e os resistentes 168 anos do Okutá de Xangô, a pedra sagrada do orixá da justiça, trazida da Nigeria pelos ancestrais da matriarca do terreiro, a Iyalorixá Edelzuíta de Oxaguian, que naquele mesmo ano comemorou 70 primaveras de iniciada no candomblé, pelas mãos de Mãe Menininha do Gantois. Não era só um trabalho. Era um fim de semana cheio de significados, sentidos, imagens para registrar, depoimentos para colher, história para se emocionar e aprender...
Após seis horas de estrada, amanheci no endereço da Vila Valqueire. O cinza do céu ficava bonito com as ruas e muros, todos pintados nos tons da bandeira do Brasil. Era copa do mundo, dia de jogo. Cheguei, de carona com a egbon Katia de Ogun - filha do Axé -, na companhia de um designer amigo que filmaria o fim de semana comigo. Como toda casa tradicional, vários filhos de santo já estavam nos afazeres do terreiro, alguns chegavam com a gente, e os que dormiram no Axé, levantaram antes mesmo do sol nascer. Aproveitamos a correria e já começamos as filmagens, fotos e colher os primeiros depoimentos.
O dia foi passando, o céu se abrindo, como o livro de vidas que se abria diane de minhas lentes. A a cada história a alegria aumentava. É um privilégio ouvir histórias de quem se iniciou há mais de 20, 30, 40 anos e ainda se mantem no mesmo lugar, com a mesma dedicação, humildade e respeito. É inspirador conhecer trajetórias que seguem os passos de seus pais e mães e garantem novas gerações de uma família que resiste em uma periferia carioca, contra ínumeras manifestações intolerantes e racistas.
Há certa hora do dia, um silêncio pairou sobre o terreiro. E só foi interrompido pelas vozes que humildemente pediam para ser abençoadas. Era Mãe Edelzuíta que descia as escadas de sua casa e adentrava o salão. Lembro que suei frio, e logo fui pedir sua benção também. Eu que esperava uma Iyalorixá brava, toda montada em seus lindos e alvos rechillieu, encontrei com uma senhora gentil e de uma sabedoria que se via no olhar. Me apresentei, contei parte da história sobre o que fui fazer lá. Contei parte porque a história verdadeira era surpresa à ela, pois tratava de colher depoimentos que seriam apresentados em homenagem aos seus 70 anos de candomblé, na festa de Oxaguian, em dezembro daquele ano. Em sua voz firme e baixa, Mãe Edelzuíta me abençoe e me permitiu para ficar a vontade em sua casa, e fiquei... E tive mais um privilégio: acompanhá-la para assistir a transmissão da partida Brasil e Chile, no quintal do terreiro. Pouquíssimas pessoas a viram comentar futebol com tanta propriedade, e garanto que se ele tivesse oportunidade, tinha puxado a orelha do garoto Neymar, que mesmo ajudando no 3x2 em cima dos chilenos, deixou a desejar, segundo ela.
Fim de jogo, segundo tempo para o terreiro. Hora dos últimso ajustes para começar a festa do Rei Xangô. Poucas vezes vi um candomblé tão harmonioso como aquele. Luxuosa era a educação das filhas e dos filhos de santo, grandiosos em suas roupas limpas, simples e cheias de energia. Cada detalhe cuidado com bastante atenção, e Mãe vinha puxando seu candomblé, fielmente à forma que aprendeu com Mãe Menininha do Gantois. Dona de uma voz linda, cantou e dançar o candomblé para Xangô, além de cuidar de orixá na sala. No auge dos seus 70 anos de iniciação, Mãe Edelzuíta conduziu uma festa linda, com maestria. E eu era só felicidades ao viver tudo aquilo. Cada orixá que chegava, chegava feliz, com a satisfação de quem atravessa o Atlântico para reencontrar seus filhos e filhas, numa noite mágica... Foi Lindo!
Eu usaria páginas e páginas para contar detalhe por detalhe dessa experiência, que após o xirê, deu espaço para um entrevista com a Matriarca do Oba N'lá, que foi assistida ao vivo por todos os seus filhos, sentados no chão, como eu, ouviam cada palavra de sabedoria, mas vou aproveitar esse espaço para compartilhar essa história em algumas imagens colhidas durante as 24 horas que me mantive ligado na vida e legado de Mãe Edelzuíta de Oxaguian. É uma longa história que ensina sobre cuidado com o outro, fé, resistência, consciência política, transformações sociais, e preservação da história africana, no Rio de Janeiro e Brasil inteiro. Ela que é uma das principais referências de sacerdócio e militância contra a Intolerância Religiosa, mantem até hoje viva a tradição do candomblé, em sua casa e vida. Como não se encantar com alguém que, aos nove anos de idade assumiu a responsabilidade de rezar e cuidar de uma pedra que trazida da África, porque sabia que era mais que uma pedra, é Xangô em essência, é justiça por excelência, é a vida africana que atravessa gerações e fortalece o axé do candomblé.
Acho que precisarei de um outro momento para escrever mais sobre essa e outras maravilhas que é viver candomblé, por hora, divido o axé em série de imagens e em gratidão à Iyalorixá Edelzuíta e seus filhos e filhas por me permitirem olhar um pouco para esse mundo lindo:
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A intolerância religiosa é nojenta!
ResponderExcluirAntiguidade é posto é muito importantes saber que ainda existem pessoas de grande nome do candomblé .antigo a doro
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