3 de novembro de 2015

É Hora de Denegrir o Candomblé!



Já faz um tempo que venho olhando com bastante atenção para as manifestações segregacionistas do candomblé, especialmente o tão aclamado, Candomblé Tradicional de São Paulo. 

Algumas pessoas que me acompanham podem, num primeiro momento, achar que há uma certa contradição nessas linhas, pois grito aos quatro cantos que o candomblé é a religião do acolhimento, da reconstrução dos laços familiares ancestrais, mas não se trata disso. Falo, porque em essência, candomblé é e deve sempre ser o espaço sagrado de acolhimento, onde se comunga em comunidade da importância de ser como se é, respeitando as individualidades e peculiaridades de cada ser.

Mas, como comungar quando o ritmo alucinado, soberbo e individualista da cidade que não dorme influencia tanto a estrutura social das comunidades religiosas? 
Como confraternizar se o candomblé de São Paulo estabelece suas relações e co-existência a partir daquilo que se veste, da quantidade de Omo Orisa - pessoas no axé, do que é servido no Ajeum - ou buffet pós/durante cerimônia, da quantidade de pedrarias, dos metros de panos e do pertencimento ao clã X ou Y? 
Os questionamentos são muitos e, talvez, o mais urgente seja mesmo a reflexão de, como pensar uma religião afro-brasileira a partir de conceitos negros? 
Como denegrir o Candomblé de vez?

Das últimas experiências de diálogos, formações, debates e até discussões, nada tem me chamado tanto a atenção quanto o pavor e negação de muitos quando citada a expressão Religião Negra. E se a verdade causa espanto, eis a importância de se Denegrir de vez o Candomblé!

Denegrir quer dizer "tornar negro", mas socialmente usada, a palavra é usada para explicar que alguém hostilizou, inferiorizou, tornou ruim, ou tornou algo negro/negativo. Mas pera aí! Tornar Negro ou ser Negro é tão ruim assim? Para a sociedade racista em que vivemos, é. Mas para o Candomblé não! É essencial que nossa estrutura seja negra, que nossa educação seja negra e que nossos conceitos sejam negros.

Quando falo de pensar um candomblé negro, não me refiro à tez da pele dos fiéis, até porque racismo não se resume às questões de pele. É uma estrutura de poder, de opressão e que precisaria de um texto inteiro para explica. Principalmente para que não se acredite mais em racismo inverso, e nem em consciência humana.

Acredito mesmo que candomblé é sim a religião do acolhimento, amparo e amor às diferenças e todxs são bem vindos, mas em reforço, repito, nossa concepção é negra.
Criada por descendentes de reinados africanos que foram ultrajados, sequestrados e condicionados à condição de escravos, o candomblé é uma religião de culto a seres africanos divinizados. Yemonjá antes de assumir o domínio e morada dos mares, era uma rainha negra. Osun, antes de se transformar no rio que carrega seu nome, era uma rainha negra. Ogun, antes de se fundir aos caminhos do mundo, era um Rei Guerreiro Negro. Logo, mesmo que as águas da cachoeira sejam cristalinas e as folhas sejam verdes, todas essas energias são negras.



É negro, é negra e negro é Lindo, negra é Linda!
Posso também lembrar o poeta Sergio Vaz que em seu texto "Magia Negra" traz heróis, heroínas, músicos, atores, e personalidades negras e finaliza dizendo que: "Isso e mais um monte de coisas que é magia negra. O resto é feitiço racista", numa inteligente desconstrução de conceitos enraizados em nossa língua que, somente por racismo e opressão, usa o termo para nos associar àquilo que não presta, não é bom, ou envolvo de maldade. 
Quer um dos culpados para isso? Vá até os escritos sagrados e entenda como o cristianismo atuou e segue atuante no ideal da supremacia branca e demonização do negro e sua cultura.

A cultura de ostentação imperialista no candomblé atual retrata exatamente o distanciamento da essência de culto ideal às divindades africanas - digo até que se distancia do ideal africano. Pois se a essência nos motiva a ser, a contradição explicita a importância de ter, e obviamente quem não tem, não faz parte. Assim entendemos as manifestações de segregação na sociedade religiosa: são barreiras visualmente perceptíveis. Aquele que chegar com a melhor roupa, o melhor rechillieu, panos brocados, torços enormes e pedrarias reluzentes é sempre melhor recebido que aquele que opta pelo jeans branco, camisa simples e chinelo de dedo. 
Naturalmente, é importante que cada um se vista com o que te faz bem, concordo e nem discuto. Julgo problema quando aquele que tem condições de usar os melhores panos se sente superior ao sem condições financeiras, e em um grupo de já oprimidos, oprimir também.
Esse tipo de cultura é responsável pelo contraditório distanciamento em uma religião onde, em verdade, deveria acolhe, igualmente, o rechilieu e o morim, mas em colocá-los em uma posição antagônica de melhor/pior ou rico/pobre.

Impossível falar de questões econômicas e não lembrar que negros e negras no Brasil ainda recebem os menores salários e em sua maioria, ocupam os cargos de faxina, serviço gerais, manutenção, operários, vendedores de pequenos portes, e outros serviços e sub-serviços marginalizados. 
E se a sociedade é desigual ao ponto de estabelecer pseudo lugares para negrxs, porque no âmbito religioso reforçaríamos esses espaços?


Como podemos reafirmar idéias segregadoras em uma tradição pautada no amor ao o que se é? Eu que não consigo conceber essa ideia, penso pela desconstrução imediata de todas as barreiras criadas até hoje. Por se tratar de uma religião, um dos caminhos é conhecer a história do povo negro, suas lutas, seus reinados. A história negra começa bem antes da escravidão, bem antes da invasão do Brasil (...) A história do negro antecede Jesus Cristo - esse mesmo Jesus que só foi pintado de branco com cabelos lisos e olhos azuis para satisfazer um mercado onde a branquitude representa o belo, o sútil, o limpo - e a negritude é tida como o feio, o assustador, e a representação do mal na terra.  Isso também explica o porquê de a estátua de Iemanjá, na Praia Grande ser Branca, mesmo que uma representação da Umbanda, em verdade a força da divindade é africana e negra.  Esses e muitos outros mecanismo, de caso pensado, têm a mesma finalidade. Já citei e torno a dizer, enfraquecer socialmente a força e representatividade negra. 

Mas que sigamos pelo enegrecimento do candomblé, em seus conceitos. Enegrecer quer dizer, retornar para os princípios e valores nos ensinados pelas divindades africanas. Restaurar a identidade da religião onde a força maior pisa  solos, descalços e que não precisa de metros e mais metros de panos, para ter vida, porque o importante para o Orixá é Ser e quando o assunto e ter, o único pedido é que se tenha fé e respeito em abundância. Para que os bens materiais e a estrutura social escravagista de nossa sociedade não nos permita reproduzir e estabelecer espaços de Casa Grande e Senzalas nos Terreiros, e muito menos, sejamos Capitães do Mato, contra os nossos próprios irmãos, filhos e famílias de Axé.

Texto e Fotos*:  Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved - *: Exceto a foto da Estátua de Iemanjá: retirada da internet.
Revisão de texto: Professor e Babalorixá Sidnei Barreto Nogueira. 


9 comentários:

  1. da pra curtir, comentar, compartilhar, enfim viver isto todos os dias???????
    vc é maravailhoso

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  2. Motumba!
    Querido. Tens sido uma forte inspiração nos meus primeiros passos no candomblé!
    Axé e amor!

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  3. Paó. Isso tudo merece mesmo uma reflexão mais profunda.

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  4. Muito bom mesmo merece uma atenção muito especial

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  5. Muito bom ! reflexão necessária em nossas comunidades!

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  6. Axé! É um texto de Axé!o que foi retratado ocorre não é de hoje. Também podemos notar a branquitude e mercantilismo nos jornais de umbanda e candomblé. Antes, com ótimas matérias,um meio de comunicação e aproximação dos irmãos de fé. Hoje, percebo um forte cunho de divulgação de produtos e serviços. Bora lá povo do axé, vamos deNegrir nossos valores e atitudes. Vamos lembrar da onde viemos.

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