14 de janeiro de 2016

A Realidade por trás da Tentativa de Proibição dos Sacrifícios Animais nos Cultos Religiosos


Não me causa espanto um projeto de lei que proponha proibir o sacrifício de animais em rituais religiosos. É um desdobramento previsível em um cenário político dominado pelo conservadorismo, racismo e por tentativas de imposição religiosa.
A suposta ideia de proibir o sacrifício supondo alguma política de proteção aos animais demonstra claramente como em uma sociedade desigual, preconceituosa e punitiva o uso das leis é predominantemente feito com o intuito de reforçar essas desigualdades. Traduzindo: as leis para brancos e para a cultura dominante são de uma forma e para negros e culturas não brancas são de outra.
A primeira coisa que precisamos entender é a seguinte: em uma sociedade laica ninguém é obrigado a ter a mesma visão espiritual sobre os animais “irracionais”. Ser vegetariano é uma opção individual. Então, vamos partir do princípio básico de que TODAS as pessoas têm direito a se alimentar de carne. Visto isso vamos lembrar o que na nossa realidade significa se alimentar de carne.
Alimentar-se de carne significa comer um animal. E para comer esse animal é preciso que ele esteja morto. Até os animais irracionais carnívoros matam suas presas para comê-las. Parece óbvio, mas para as pessoas que julgam o sacrifício animal nos ritos religiosos não é. A dificuldade de entender essa simples questão de matar para comer vem da intolerância religiosa, da discriminação e do preconceito que pressupõe quais crenças devem ser consideradas corretas e aceitas ou não.
Em geral nas religiões de matriz africana acredita-se que o processo de fortalecimento do espírito passa pela alimentação de diversas fontes de energia que podem ser minerais, vegetais ou animais, de acordo com os símbolos da cultura envolvida, o que ficou popularmente conhecido como oferenda.  As oferendas envolvem não só o consumo dessas fontes de energias, mas também os rituais e as crenças de quais seres precisam realizar esse consumo. Rituais e crenças que envolvem o reconhecimento dos animais como seres com propriedades divinas e que por isso merecem ritos de demonstração de respeito e permissão para seu consumo.
O intuito aqui não é promover um esclarecimento sobre a simbologia das religiões de matriz africana, mas sim de mostrar que a tentativa de proibir o sacrifício de animais em rituais religiosos não visa à proteção dos animais e sim a criminalização do culto religioso. Nunca houve a proposta de se proibir o consumo de animais, mas sim o ritual religioso através do qual ele se desenvolve.  Palavras como “crueldade” e “sofrimento” são usadas com o objetivo claro de moralizar as religiões de matriz africana, de atribuir a seus ritos ares de maldade e de julgar seus valores e crenças como ruins ou errados. E todos nós sabemos muito bem que essa é uma estratégia de dominação, de imposição cultural, racismo e intolerância religiosa.
Além de desrespeitar os valores e crenças de uma cultura religiosa essa tentativa é um esforço claro de moralizar um processo de consumo que é comum a toda sociedade, pois de uma forma geral toda a sociedade se alimenta de carne animal e mata animais para isso. O que os indivíduos que propõe a proibição do culto religioso tentam nos dizer é: você pode comer carne animal, mas não pode rezar, cantar ou matar esse animal com suas próprias mãos, ou seja, não pode expressar sua fé e principalmente, não pode baratear o custo desse consumo ou deixar de pagar por ele aos grandes produtores.
Se a preocupação fosse realmente com códigos de proteção ao animal seriam aprovadas leis para regulamentar a forma absurda como animais são criados nas grandes propriedades rurais. Nesses locais animais são criados totalmente presos, sem nenhum contato com o ambiente natural, forçados a reprodução e têm sua estrutura totalmente alterada por “anabolizantes” e medicamentos. O intuito dessa manipulação toda é baratear o custo de criação desses animais e aumentar ao máximo seu rendimento para se ter o maior lucro possível com sua comercialização. Os processos que envolvem a criação de animais nas indústrias de alimentação já foram apontados por organizações de proteção aos animais como absurdos e cruéis e inclusive prejudiciais a saúde humana em alguns casos. Mas a crença envolvida nesse caso é a do lucro e essa nunca é questionada.
Entra aí outra questão que incomoda os grandes produtores, referente ao sacrifício animal que acontece nos cultos religiosos: em geral os animais utilizados para consumo são oriundos de aviários de pequeno a médio porte, regionais ou até de criações caseiras. Essa relação direta entre pequenos e médios produtores  e consumidores não é interessante ao agronegócio que tem interesse de dominar o mercado. E só para reforçar, sabemos que essa dominação do mercado de alimentos define inclusive quem na nossa sociedade pode ter  privilégio de comer carne.
Com esses poucos argumentos já entendemos aqui que a questão de legislar sobre o sacrifício de animais nos cultos religiosos envolve interesses de grandes empresários reforçados pelo apoio de fundamentalistas religiosos que tentam violar o princípio básico de um estado laico para aumentar seus lucros e impor suas crenças. Eles alegam equivocadamente o intuito de proteger a vida animal, para na verdade retirar o direito à liberdade religiosa e se livrar das tentativas de produção econômica “desvinculadas” das grandes cadeias produtoras de gênero alimentício. Uma iniciativa intolerante, opressora e exploradora para obter lucro e violar direitos.
Texto de Monique Britto - originalmente publicado no Portal Geledés, em 13 de março de 2015.
Foto: Roger Cipó - Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados 

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Os animais não devem pagar pela crença de vcs. Se vcs acreditam que tem que sacrificar um animal a seu deus, que sacrifique então um animal humano. Porque deverá ser um ser inocente que não sabe se defender e que não tem quem o defenda? Sacrificio é coisa do passado. Ninguém quer ser sacrificado. No passado sacrificavam crianças ou pessoas mais pobres, pois elas não tinham como se defender. Hoje, existe direitos humanos e por causa disso não é mais permitido sacrificar ninguém, então se aproveitam dos pobres coitados dos animais inocentes e indefesos. Nenhum deus quer o sacrifício de quem quer que seja. Deixem de ser ignorantes.

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  2. Não é nada disso. Eu sou protetora de animais e de gente também. Sou contra o sacrifício sim, não por causa de nenhum preconceito contra qualquer religião, mas por desejar que os animais fiquem livres dessa coisa arcaica, que é o sacrifício. Porque não sacrifica um humano, já que o humano é quem acredita? Os animais não tem que pagar o preço da crença de ninguém. Assim como eu, a maioria dos protetores pensam igual. Se o objetivo de todas as religiões é ligar o homem a Deus, tenho absoluta certeza que Deus não está gostando de, em nome dele, causar tanto sofrimento a qualquer animal. Parem com esta coisa antiga, de gente ignorante. Estamos no século XXI. Evoluam!

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    1. Respeite a crença das pessoas. Não somos ignorantes. Sacrificamos animais para alimentar a comunidade. Sem crueldade, ao contrário dos abatedouros comerciais.

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  3. A Sra Monique está equivocada na maioria de suas afirmações. O agronegócio não se preocupa com essas pequenas demandas e nem tem disposição ou interesse de interferir nesta questão...
    Matar para comer está na raiz humana, e espero que mude durante a evolução da nossa espécie, e a questão é a forma como isto é feito.
    Qualquer ser que vai morrer, sabendo ou não, não deseja sofrimento... e que ocorra em local com as mínimas condições de higiene e cuidados para a saúde humana e atendendo normas de Bem Estar Animal.
    Só para esclarecer, nas grandes fazendas os animais crescem soltos nos pastos, levando uma vida natural para eles; no hemisfério norte sim, muitos ficam confinados em barracões em virtude do inverno rigoroso, onde são alimentados e ficam abrigados, pois não conseguem encontrar o pasto debaixo da neve. E por falar nisso, fica muito caro este sistema; o melhor é manter os animais soltos mesmo, onde isto é possível, e sem uso de medicamentos que por sinal estão a preço de ouro...
    Melhor se informar mais...

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