2 de março de 2016

"As coisas estão ruins. Deve ser macumba" O Pensamento e Discurso Intolerantes



Quando nada vai bem, a sorte te vira as costas e o azar ri da sua cara, o que você pensa?

Eu estava na sala de reunião, quando uma colega começou relatar seus problemas e finalizou: "parece que é macumba... só pode!"

Parei, pensei e entendi que, por melhor instruída que é, minha colega traz em sua educação um vocabulário intolerante que nem ela mesmo percebe. Consciente, ou não, reproduz um comportamento de intolerância religiosa, e precisamos falar sobre  isso.
Engana-se quem pensa que Intolerância Religiosa é só a violência física, verbal ou psicológica contra a crença de alguém. Se eu puder listar, diria que a explosão em violência é o cume da agressão, e se não quisermos chegar ao extremo, preciso entender que, até agora, só falamos da ponta do iceberg. Obvio que a violência declarada choca (ou não) e nos coloca em movimento. Mas e a violência naturalizada?

O antropólogo e professor congolês naturalizado brasileiro,  Kabengele Munanga afirma que o "Racismo no Brasil é um crime Perfeito". Inspirado nessa afirmação, o antropólogo Gill Sampaio Ominirò diz que a intolerância religiosa também é um crime perfeito (artigo 208 do Código Penal Brasileiro), "pois é possível ser intolerante com um olhar". Quantos de nós, adeptos do Candomblé ou Umbanda , não somos mal olhados ao chegar em um espaço público vestido de branco e/ou ostentando fios de contas? Já no olhar, identificamos a aversão aos nossos símbolos e é como se ouvíssemos o xingar saltar os olhos, mesmo que o agressor mantenha a boca fechada. Sutilmente, a intolerância religiosa está presente no pensamento, postura e simples ações.

Assim, a demonização da crença, ritos e símbolos de nossa cultura religiosa se faz também em simples palavras. Como disse, minha amiga atribui-se a má sorte à uma possível macumba feita. Sua fala relaciona as coisas ruins acontecidas em rituais da Umbanda e Candomblé. Mesmo conhecendo o verdadeiro significado da palavra "macumba", sabemos que se trata de uma expressão socialmente intolerante.


Quem nunca ouvir alguém dizer que a criança, ou o amigo agitado está com Exú no corpo, ou é um Exú? "É aquela pessoa chata que 'exuriza' sua vida". E já ouviu dizer que iria no terreiro só para "bater um tambor" e afastar alguém?
Há os clássicos de fim de ano: "Tão ruim, que nem Iemanjá aceita", ou até mesmo "volta para o mar, oferenda", ou o corriqueiro: "tinha que ser macumbeir@"

No combate ao racismo, atentamos para a importância de descolonizar o vocabulário. Pois desde a infância,nos foram ensinadas palavras  e expressões com significados ou criações racistas que parecem inofensivas, mas que, em uso só fazem manter estruturas e comportamentos racistas: Mulata, Denegrir, Dia de Preto, da Cor do Pecado, Nasceu com o Pé na Cozinha, entre outras... A lista é grande, e representa uma educação opressora, herdada do regime de escravidão.

Seguir uma linha de pensamento não ofensivo, cuja base seja o respeito e não se utilizar de palavras e expressões intolerantes é também caminho para se combater a violência contra as religiões de matriz africana ou outros seguimentos que sofrem perseguição ideológica.

É importante se reeducar para não reproduzir o preconceito embutido no inconsciente coletivo da sociedade, quebrar este ciclo vicioso de continuidade no uso de piadas desnecessárias e ofensivas. Mais que isso, é importante o uso de expressões, frases e até "brincadeiras afirmativas", pelas quais seja possível desconstruir as estruturas de violência para construir pontes de respeito e de comunicação não-violenta.

Texto e Foto: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved


3 comentários:

  1. Recorrente e tão corriqueiro que quando bradamos contra isso os outro dizem ser mimimi, ou quando falamos em tom razoavel dizer que é vitimismo, palavra nojenta vitimismo, pra mim mais uma desculpa pra justificar racismo...a palavra mulata é tão imbecil que me recuso a escreve-la senão aqui para concluir meu pensamento, lutemos, batuquemos, laroiemos!

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  2. Maama Jucy Bruno de Matamba3 de março de 2016 às 11:13

    Infelizmente,essa palavra preconceituosa e racista também está enraizada nas mentes da maioria do povo do santo.Recebo muitos desabafos onde as pessoas dizem: -Mãe, fui jogar em tal lugar e lá disseram que eu estou assim, pois fulano jogou macumba em mim, fez trabalho prá mim

    Leio muitos comentários do povo de terreiro no face, onde dizem..."sua macumba não vai pegar em mim". O pior é que essas indiretas são para os próprios irmãos e irmãs da religião.

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  3. Peço licença para divulgar a page do mais novo afoxé de São Paulo: Afoxé Omo Korin para mais informações nos siga na pagina no Facebook ou no instagram

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    Agradeço desde já

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