21 de julho de 2015

Sobre se Afastar da gênese, criar um Candomblé de Superfície, Ter um Candomblé Neopentecostal e Criar um Novo Culto - "Ego"-mblé


 (Por Sidnei Barreto Nogueira)

E NOS AFASTAMOS DA GÊNESE E CRIAMOS UM CANDOMBLÉ DE SUPERFÍCIE (PORQUE PRECISAMOS VENDER O PRODUTO) E TEMOS UM CANDOMBLÉ NEOPENTECOSTAL E CRIAMOS UM NOVO CULTO - “EGO”-MBLÉ

Assusta-me ver os rumos de uma religião ancestral de origem africana forjada para nos conduzir a uma África, talvez, muito talvez, que nem exista mais ou a qual teremos que nos esforçar muito para manter viva.
Sempre considerei, desde meus tempos de abiyan – aquele que nasceu pela “conta”, o Candomblé como um grande presente dos Orixás – naquele tempo não havia OriSa com “s”, nem se falava em Eledunmare e em Orunmila, nem tínhamos os caminhos de Orixá usados como grife, nem tinham inventado a inexistente unidade lexical “TY – ao Brasil e aos brasileiros. 


Um presente caro, é verdade, pago com a escravidão de seres humanos espoliados de sua Terra e escravizados no Brasil, longe de tudo que mais amavam. Mesmo assim um presente, uma dádiva paga com sangue, suor e lágrimas.
E hoje o que vemos? Vemos um excesso de “TY” – TY FULANO; TY BELTRANO; TY ISSO, TY AQUILO – aviso aos navegantes e àqueles que fazem tudo por “osmose” – JOGA NO GOOGLE QUE ELE EXPLICA O QUE É, MAS PRECISARÃO DE UM TANTINHO DE COMPREENSÃO DE TEXTO. Vemos que esta suposta preposição do contínuo linguístico iorubá nem existe; Mas, na tentativa de preenchermos os buracos deixados pelo ocidente e cultivados pelo imediatismo e consumismo, vale tudo; inclusive o pagamento exorbitante para a compra de algo que precisa apenas ser liberado internamente, algo ao qual precisamos nos (re-)conectar – um eu-natureza-África-ancestral e o apagamento dos Èsá da África Ancestral no Brasil. 


Tenho a impressão e/ou a certeza que o Candomblé, de algum modo, também fora contaminado, paradoxalmente, pela Teologia da Prosperidade.
“Meus filhos todos trabalham” aclama um suposto “pai de santinho”; “Meus filhos todos têm carros (de preferência importados)” aclama uma determinada Iyalorixá; “Tenho uma filha médica” divulga como prêmio a carreira da filha uma Mãe TY Joana D’Arc; “As indumentárias dos Orixá desta casa são feitas com a grife “tal”, grita mais um incauto e “aqui colocamos – na superfície - tudo o que Orixá merece” – um outro Pai Pedro “TY” COISA grita orgulhoso da sua capacidade de compra.
Mas quem disse que são os nossos olhos doentes que devem determinar o que o Orixá merece ou precisa? 



Engraçado, pensara eu que os Zeladores de Orixá deveriam ser guardiões de algo imaterial – saberes ancestrais, ritos, palavras, cantos, rezas, poder das folhas, gestos sagrados e organização ritual, cores, signos, significados e, sobretudo, metáforas ao nosso duplo no Orun e a toda a nossa ancestralidade; nunca pensei que os tesouros deveriam ser matérias e matérias.
Não seria o objetivo maior do Candomblé, (des-)fazer o que parece ser verdade, (des-)construir o que parece ter sido apropriadamente e estrategicamente construído pelos opressores, (des-)contaminar das doenças às quais nos acostumamos e para as quais tomamos gotas diárias de entorpecentes (precisamos comprá-las), libertar o indivíduo das amarras do seu próprio ego e de desejos que, em verdade, não são seus e trazer os “seus”; aproximá-lo da “sua” verdade e deixar a bagagem mais leve, e livrá-lo das culpas e medos cristãos; livrá-lo da necessidade da blindagem-produto que nos assola e, sobretudo, fortalecê-lo para que seja um indivíduo capaz de assumir as suas crenças, valores e capaz de assumir um “querer-ser” para ser inteiro e feliz e não um “parecer-ser” para ser aceito? 


E instaura-se o paradoxo do Candomblé Ostentação ou do “EGO”-mblé; porque como conseguir a suposta morte e renascimento utilizando-se das ferramentas do opressor; dos medos do opressor; das vestes do algoz e das fantasias e ilusões criadas pela materialidade daquilo que o senso-comum e as leis mercadológicas valorizam?
Não sei quando, mas teremos que acordar para a opressão que, sorrateiramente, infiltrou-se em nossas casas e, sorrateiramente também, torna o Candomblé lugar de controle, opressão e exclusão por meio da necessidade da farsa em detrimento da verdade, por meio da superfície em detrimento da essência, por meio do barulho em detrimento do silêncio e tudo em nome das leis de mercado.


Acordemos!


[Fotos: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados / All Copyrights Reserved]



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